Palavras do Abismo

Devido ao documentário transmitido na RTP1 (disponível aqui) algumas pessoas estão agora a acordar para a vida. Outras continuam a dormir, a olhar para o lado e a assobiar, que não é nada com elas.

Eu não vi o documentário. Não vi porque me custa, porque choro, porque faço parte de grupos de defensores dos animais e já estou farta de saber o conteúdo. Sei o que se passa, e não preciso de ver e ouvir novamente os gritos e as lágrimas destes seres.

Não sei como as pessoas conseguem dormir à noite descansadas, sabendo que a comida que aparece no prato é obtida à custa do sofrimento e da dor de seres vivos, cuja inteligência e sensiência, sabemos hoje devido à evolução científica, equivale à de uma criança pequena. Não sei como conseguem ser egoístas ao ponto de pôr o seu paladar acima do modo como se tratam os outros habitantes do planeta. É uma questão de dignidade, de respeito, de sensibilidade.

Durante o transporte, os animais são sujeitos a temperaturas de mais de 40º e a água disponível depressa desaparece. Não têm espaço sequer para se virar, vão uns em cima dos outros, pouco importando aqueles que já mal se conseguem manter de pé, que têm feridas ou lesões. Seguem assim, horas intermináveis, dias, semanas, o tempo que for preciso até chegarem ao destino. Quando o transporte tem dois andares, os animais da parte de baixo ficam cobertos de merda, o que aumenta ainda mais a sua temperatura corporal e pode dar origem a infecções. Na transladação, são pendurados pelas patas por uma grua, esperneando, levando com choques eléctricos, e gritando por ajuda que não virá. Muitos morrem antes de chegar, apenas eles sabendo a dor por que passaram. São jogados para o mar, se estiverem num barco.

Mais valia que fossem mortos à partida. Mortos em meios controlados, com anestesia, e transportados em meios refrigeados. Mas isto sai muito mais caro. E nestas coisas o lucro fala sempre mais alto. Para além disso, nos países para onde são transportados são seguidos rituais de morte próprios. Ou seja, para além de tudo o que passam na viagem, muitas vezes são mortos a sangue frio em rituais bárbaros.

Portugal é um país civilizado e não pode permitir isto dentro das suas portas. A petição do PAN para existir um limite de horas de transporte diárias e a presença de um veterinário é assim tão descabida? E ainda assim é apenas uma gota no oceano. Temos de parar de exportar para o Médio Oriente e Norte de África, simplesmente. Mas como isto escapa às leis nacionais e europeias, valem a lei daqueles países. E o lucro, sempre o lucro.

Por mais que os responsáveis joguem areia para os olhos do povo, basta estar presente num dos portos onde atracam os barcos para ver a realidade tal como ela é. A realidade é muito suja, tem lágrimas a escorrer pelos focinhos, ossos partidos, fome, morte. Não podemos ficar de braços cruzados, chega de compactuar com o sofrimento alheio. Estes animais não têm culpa da vergonha que devíamos sentir. Se não sabem o que fazer, comecem por assinar esta petição. Se querem fazer mais, procurem os grupos nas redes sociais, informem-se, a acção está por todo o lado e o maior cego é aquele que não quer ver.

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A série The Terror, que está a passar no canal AMC, é baseada no livro de 2007 com o mesmo nome e inspirada por acontecimentos reais.

Em 1847, dois navios partem numa arriscada expedição em busca da passagem marítima do Noroeste do Ártico. São homens que sabem à partida que a missão é megalómana e difícil, mas que esperam fazer História. Atravessando um inverno rigoroso, os navios Erebus e The Terror acabam por ficar presos no gelo e a tripulação não tem outro remédio senão esperar o degelo numa estação menos severa.

Mas a espera que se previa de alguns meses torna-se de anos, e as provisões estão a esgotar-se. Não há nada à volta, apenas o gelo infinito que leva à loucura. A paciência e a obediência dos homens aos seus capitães torna-se mais frágil. Os laços que os unem vão-se quebrando conforme a sobrevivência se torna a prioridade. E para além de todas as dificuldades, há uma criatura no gelo que os atormenta e que parece invencível.

É uma produção do caraças (por Ridley Scott) e uma das melhores séries do ano. Já a vi toda e foi uma belíssima aventura. Os cenários são inacreditáveis, apoiados por uma fotografia irrepreensível. O ambiente é sempre tenso, deixa-nos colados e de queixo caído conforme assistimos à desventura daquelas almas que vamos tomando como perdidas. Nota máxima para as interpretações, em especial de Jared Harris (The Crown, Mad Men) e de Tobias Menzies (Outlander, Game of Thrones).

Há mistério, tensão, mortes, dúvidas, amizade, companheirismo, vinganças, facadas nas costas e tudo o que é esperado num grupo que se vê preso durante anos num dos locais mais inóspitos do mundo. Acima de tudo, saber que a base é real e que estes homens (e muitos mais, ao longo dos tempos) arriscaram tudo em nome da descoberta do mundo deixa-nos com uma certa melancolia. Se ainda não estão a ver não sabem o que perdem.

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Normalmente digo que quem mais tem, menos dá. Conheço gente endinheirada que nem 1€ dá para solidariedade e gasta 1000€ num iPhone sem pestanejar. Não sou ninguém para dizer às pessoas quais devem ser as suas prioridades, mas acho que tornar o planeta um lugar melhor e protegê-lo deveria estar no topo da lista de cada um. Porque quando esta merda toda rebentar, o iPhone vai servir apenas como arma de arremesso, e fraquinha.

Por isso, uma vénia enorme ao bilionário norueguês Kjell Inge Røkke, que está a investir a sua fortuna para construir um iate que irá recolher 5 toneladas de plástico do oceano, por dia, que será reciclado. Estará preparado também para ser um centro de pesquisa, com laboratório, drones aquáticos, e muito mais, para se debruçarem nos temas das alterações climáticas, pesca exploratória e biodiversidade marinha.

O norueguês, que construiu o seu império do nada começando como pescador (está explicado o espírito altruísta - não nasceu em berço de ouro) é disléxico e não tem estudos - nem o secundário. Hoje, tem uma frota que ultrapassa os 2,6 bilhões. Com isto, ele pretende "retribuir à comunidade" aquilo que hoje tem.

Agora, teremos de esperar até 2020 para ver o REV (Research Expedition Vessel) em acção. Que outros ricaços ponham os olhos nele.

Via CNBC.


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“Preferia que esta fotografia não existisse. Mas já que existe, quero que chegue ao maior número possível de pessoas. O que começou como uma oportunidade para fotografar um cavalo-marinho adorável, transformou-se numa maré de tristeza e frustração à medida que a corrente trazia inúmeros fragmentos de lixo e resíduos. Esta fotografia é uma alegoria do atual estado dos oceanos.”

Fragmento das declarações do fotógrafo Justin Hofman, da SeaLegacy, à National Geographic. Não tenho mais palavras. É demasiado triste.


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Faz-se uma baliza com dois montinhos de areia e de repente somos os melhores.

"Pára tudo que o Jonas vai entrar em campo!"
"E tu com essa barba és o Mitroglou!"
"Então eu sou o Talisca!"
"E eu quem sou?"
"Tu és o Carrillo!"
"E como é que fazemos isto?"
"Fácil. Tem de se dar mais de dois toques na bola por equipa e não podemos rematar de muito perto."

E começa o embate. Temos quase todos mais de 30 anos, mas afinal só temos 15. Ali, não temos empregos que nos deixam infelizes ou contas para pagar, os problemas ficaram para lá da areia. O mais importante é marcar ao melhor de três.

Corremos, fazemos faltas, muitas faltas de jeito, rimos, e ficamos muito cansados. Como é possível, se só temos 15 anos? Não conseguimos correr mais e decidimos o jogo nos penáltis.

Depois das nódoas negras e dos cortes nos pés, estamos felizes porque é bom saber que conseguimos ser adolescentes quando quisermos. Basta-nos um pedaço de areia, sol, uma bola, e as melhores pessoas, os melhores amigos, que deixam tudo para trás connosco. Obrigada.




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Ao ler um artigo sobre acontecimentos que marcaram os anos 80 em Portugal fiquei a conhecer a história do navio Tollan.

O Tollan era um porta-contentores inglês que colidiu com um cargueiro de origem sueca, no Rio Tejo, em 1980. Faleceram quatro tripulantes no acidente e o Tollan afundou e encalhou, com o casco virado para cima. Dada a dificuldade em remover o navio, por lá ficou durante 3 anos, em frente ao Cais das Colunas, até finalmente ser retirado em 1983.

Toda a gente que passava a ponte e os transeuntes nas margens do rio podiam ver o casco do portentoso navio encalhado e foi um acontecimento que marcou a época. O Tollan tornou-se num símbolo de Lisboa, muitos cafés e restaurantes foram baptizados com o seu nome, e dadas as tentativas frustradas para o retirar e ter atrapalhado a circulação de barcos durante tanto tempo, gerou-se um clima de comicidade à volta do tema, que os mais velhos ainda recordam com um sorriso.

E eu não sabia nada disto. Como é possível?




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No meu sonho eu estava no topo de uma falésia, a observar o mar. Nisto o estado deste começa a piorar, e grandes vagas se formam.

Uma das ondas levanta consigo um objecto estranho e tento perceber o que é. À medida que se aproxima, percebo que é uma pessoa a esbracejar dentro daquilo que parece ser uma cápsula de plástico. Quase como um balão horizontal, transparente, e quase cheio de água.

Conforme as ondas sobem e descem, a pessoa lá dentro ora tem a cabeça dentro ou fora de água. Parece aflita. As ondas sobem bastante, e este estranho casulo vem parar à altura da falésia.

Com a ajuda de uma velhota que só então reparei estar a meu lado, puxámos o senhor aflito, envolto no seu casulo de plástico e sempre a esbracejar. Ficou ali, aos nossos pés, a lutar pelo pouco ar.

Olhei para a velhota e ela olhou para mim. A senhora estava bastante bem para a idade. Devia ter uns 70 mas tinha uma figura elegante, um penteado na moda, e um biquini que lhe assentava muito bem. Ambas encolhemos os ombros. Ela afastou-se, sem dizer uma palavra. Eu olhei para o senhor suplicante mais um pouco, e acabei por me afastar também.

Fui-me embora e deixei-o dentro daquela estranha casota de plástico com pouco ar ainda respirável lá dentro, mas senti-me em paz. Não quis saber se ele vivia ou morria. Estarei a ler demasiado Stephen King?


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"When I first saw you
I was deep in clear blue water
The sun was shining
Calling me to come and see you
I touched your soft skin
And you jumped in with your eyes closed
And a smile upon your face


Você vem, você vai
Você vem e cai
E vem aqui pra cá
Porque eu quero te beijar na sua boca"


Smoke City - Underwater Love




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