Livros bacanos #2 - Felicidade, de João Tordo

by - terça-feira, março 09, 2021

"Felicidade", o mais recente romance de João Tordo, é um poço de tragicidade. É ao mesmo tempo uma leitura leve (no sentido em que é bastante fluída e não queremos largar o exemplar), mas também carrega um peso emocional elevado, uma carga que se nos alapa aos ombros e que jamais sacudiremos.

É difícil falar deste livro sem revelar detalhes. É um acumular deles, pequenos alfinetes que se vão acumulando numa almofadinha formando florestas de picos. Mas vou tentar.

Felicidade é uma trigémea. Juntamente com as outras irmãs, Esperança e Angélica, formam um trio de raparigas invejável. Confiantes, determinadas, bonitas, são quase como um mito passeando-se pela escola, vítimas dos olhares e desejos dos rapazes e da inveja das raparigas. O narrador, um rapaz de 17 anos, apaixona-se por Felicidade, aquela que parece ser a cola que gruda as irmãs, a força motriz, o motor. Depois de uma aproximação tímida, os dois têm um encontro. Pela primeira vez, o rapaz tem à disposição o carro do pai, que o emprestou para a feliz ocasião. Sucede uma ida ao cinema, e depois seguem para Monsanto, onde acabam os dois, no carro, sozinhos, na mata, no silêncio da noite, embora gritassem por dentro. O que acontece depois, é impronunciável.

Aquele rapaz, que ainda nem tinha atingido a idade adulta, vê a sua vida destruída em segundos. O que aconteceu naquela noite irá atormentá-lo para sempre. Algo que reviverá todos os dias da sua vida e que o impedirá de atingir até a mais ténue das normalidades. Assistimos à espiral de destruição, lenta mas determinada, que o vai consumir ao longo dos anos e mergulhá-lo numa melancolia profunda.

Ambientada nos anos 70, num ambiente político transitório que antevê tempos de mudança e de liberdade, esta história drástica entranha-se cá dentro, permanece no âmago, porque neste mundo de "ses", de vários caminhos e possibilidades, é mero acaso estarmos onde estamos agora e não noutro sítio qualquer, quiçá um sítio negro, um buraco sem fundo impossível de trepar.



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