I Care a Lot (2020)

by - quinta-feira, março 11, 2021


Rosamund Pike é Marla Grayson, tutora legal de idosos. Ao contrário do que pensamos serem as características de alguém com essa função, onde pelo menos esperamos compreensão e empatia, Marla é implacável, calculista, fria, e também uma boa actriz no que toca a esconder os seus verdadeiros sentimentos relativamente aos idosos. No fim de contas, são só isso, contas, números, legados que ela pode vender e rentabilizar. Juntamente com a sua sócia e namorada, Fran, dirige este negócio com mão de ferro e inteligência, o que lhe rende fama, muito dinheiro e boa reputação junto daqueles a quem pretende enganar, tornando a sua vida muito fácil.

No meio deste mar de rosas de enganos, surge uma idosa que é a vítima perfeita. Tem um óptimo pé de meia, uma casa valiosa e, mais importante do que tudo, não tem familiares que possam levantar entraves ao processo que se está prestes a iniciar - alegando que está a perder as faculdades mentais e que é um perigo para si própria, Marla e companhia conseguem facilmente convencer um juiz de que esta idosa, que até então era perfeitamente independente e tinha uma boa vida, deverá ser encaminhada para um lar, medicada, sedada, e que Marla deverá ficar responsável por ela e pelo seu património. Txaran!

Mas eis que esta idosa não é uma mulher qualquer, anónima, sem ninguém, como inicialmente Marla pensava. É então que entra em cena Roman (Peter Dinklage, devem lembrar-se do saudoso Tyrion de Game of Thrones), com a pretensão de resgatar aquela mulher a qualquer custo, sem ainda saber que Marla é uma autêntica leoa dura de roer. Dá-se início a uma troca de galhardetes menos simpáticos de parte a parte.

Rosamund já ganhou um globo de ouro por esta performance, e não ficarei admirada se for nomeada aos Óscares. Ela está para este papel como os meus livros para a estante - ficam tão bem ali encaixados. Capaz de despertar no espectador tanto sentimentos de repulsa como de admiração, é um dos pontos altos de I Care a Lot. Odiamo-la, mas odiamo-la com paixão. Símbolo do capitalismo desenfreado, a sua personagem é o epíteto da manipulação.

Não é um filme que vai agradar a todos. Penso que a maioria das pessoas, que anseia por heróis, vai ficar desiludida - aqui, não os há. Não existem personagens boas (tirando algumas de participação curta) para lhes aquecer o coração e dar esperança - alguém por quem torcer. Isto é uma guerra entre pessoas promíscuas, e o prazer de assistir a este filme está também na observação desse confronto caótico de egos e de poder. Outro ponto que podem não gostar é que há não só um, mas dois plot twists, que vão mudar tudo, e quiçá estragar a experiência a espectadores que não estão para aí virados. 

Para além de toda a ação e humor negro, o filme é um retrato da realidade podre do sistema de saúde e cuidados americano, onde há engano, conluio, violência e muito pouca dignidade para os visados.


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