Os zombies, no sonho, eram uma realidade. Tínhamos de conviver com eles, tal como estamos agora a lidar com uma pandemia. A mobilidade e a liberdade foram condicionadas, fomos aconselhados a ficar em casa e a denunciar suspeitos.
O grande problema era que, ao contrário do que vemos nos filmes e nas séries, estes zombies tinham um aspecto normal. Não andavam com a cara numa amálgama parecendo cera derretida, tinham a dentição completa, falavam em vez de emitir sons de estômagos e de instestinos e andavam normalmente sem ir contra as coisas que se mexiam. Não havia maneira de os distinguir dos humanos, senão já muito perto do fim das nossas vidas, quando eles revelavam as mandíbulas e as enterravam no nosso pescoço, arrancando pedaços de carne antes de nos comerem o cérebro, o fruto mais apetecido. Como tal, dissimulavam-se entre nós, trabalhavam nos mesmos locais, iam ao restaurante, usavam os transportes públicos, misturando-se no povo, seleccionando e atacando subtilmente as vítimas, sem testemunhas.
Ora, sendo quase humanos, era possível corrompê-los. Subornos a zombies era coisa normal, inevitável de acontecer, e quase todos tinham uma moeda de troca para oferecer em caso de ataque. Por exemplo, um rapaz foi poupado porque revelou a localização de um armazém repleto de trabalhadores precários a pernoitar em condições deploráveis. Resolveu esse problema, salvou a sua vida e ainda proporcionou pequeno-almoço, almoço e jantar para uma semana a uma família de zombies inteira.
Eles também aceitavam bens e dinheiro. Lá por comerem cérebros não queria dizer que não gostassem da boa vida, tal como qualquer um. Foi assim que me safei. Fiquei sem o meu carro, que não vale assim tanto, mas serviu para viver mais um dia. Toda uma preocupação e uma logística, enfim, uma maçada.
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