Não passarão!

by - sexta-feira, fevereiro 09, 2024

Conforme os anos vão passando e nos vamos distanciando do 25 de abril de 1974, mais se observa o levantar de vozes dignificando Salazar, que "nesse tempo é que era". Não é de estranhar que a maior parte destas vozes não fosse viva nessa altura. E também é notório que devem falar pouco com os pais, ou com os avós. Nunca devem ter ouvido a realidade de uma boca próxima, de uma pessoa real que viveu a vida tal como ela era. Ou então, são de famílias privilegiadas. Para eles, relatos de pessoas presas, espancadas ou mortas por serem contra o regime, por opinarem, por terem voz na praça pública, são como ficção. Sem se darem conta do facto de que elas próprias terem abertura e liberdade para dizer as baboseiras que querem, é produto do fim da ditadura.

O que agora é feito com normalidade - dizer mal do governo, comentar a vida política nos cafés, VOTAR livremente! - não era possível. Os comentadores de Facebook que passam a vida a denegrir os líderes políticos atuais (sejam eles quais forem), já teriam recebido uma visita de uns certos senhores e nunca mais seriam vistos. A imprensa, que hoje consideram parcial, um "jornalixo", era altamente controlada pelo Estado e só eram publicadas notícias que lambessem as botas ao governo ou que fossem tão inócuas e dóceis que não fizessem mossa a ninguém.

Esses saudosistas da tanga, que decerto batem punhetas a ver gajas nuas entre posts a destilar veneno, nem se devem lembrar que as mulheres tinham de andar tapadinhas, em nome da decência e do decoro, tendo os biquinis sido proibidos e os tamanhos dos decotes eram determinados na lei.

Esses punheteiros que, muitos deles, gostam de ver o seu filme de super-heróis, não devem saber que as bandas desenhadas vindas do estrangeiro eram proibidas. Esses punheteiros, que dão uma golada na Coca-cola entre punhetas, não se devem lembrar que a bebida era proibida em Portugal, por medo da modernidade!

Decerto contribui para esta tesão pelo Estado Novo o controlo que era feito às mulheres. As enfermeiras, telefonistas e hospedeiras não se podiam casar. Se quisessem viajar, as mulheres tinham de ter autorização do marido, assim como para assinar documentos e tomar decisões sobre bens que lhes pertencessem. A sua correspondência também era controlada pelo marido. O acesso a um sem número de profissões era negada. As professoras tinham de ter, obrigatoriamente, um salário inferior ao marido, e precisavam de autorização para casar. E se levassem nos cornos, ou fossem traídas, era deixá-las andar, que o divórcio era proibido. Nas escolas, nada de misturas - meninas para um lado e meninos para o outro. Saias, só se não mostrassem joelhos. Que tesão, hein, machistas?

Hoje, inflamados por discursos populistas, enchem a boca com expressões como "os estrangeiros que nos invadem têm tudo, e os nossos sem-abrigo?" Pois, na altura, era proibido ser-se sem-abrigo. Se não houvesse um documento que comprovasse incapacidade para trabalhar, iam para a prisão. Percebem a contradição?

Coisas simples como acender um cigarro ou andar de bicicleta (para ter isqueiro e bicicleta era preciso licença), jogar às cartas no comboio, ouvir a música que querem, os filmes que querem, ver os programas que querem, ler os livros que querem, andarem de mãos dadas na rua, ou dar um beijinho, fazerem reuniões ou ajuntamentos de pessoas, sacudir o pó, dariam, na altura, com sorte, uma multa, ou com a falta dela, prisão ou mesmo a morte.

Não consigo mesmo entender os lunáticos que olham para as características da ditadura e dizem, sim senhor, é isto mesmo que eu queria. É que só podem ter um distúrbio. Não há um argumento que considere válido na defesa da ditadura. Venham os punheteiros dizer, ah mas as contas estavam equilibradas, tínhamos dinheiro! Pois, havia quem tivesse dinheiro, principalmente os amigos do regime, e havia quem fosse pobre. Se tivemos um crescimento substancial foi devido às exportações durante a guerra e à exploração das colónias. De resto, o medo da modernidade travou a industrialização e Portugal era um país bastante atrasado, preso à sua ruralidade. Ah, e construiu uma ponte. Pronto, então tudo bem, aceito levar pontapés no lombo por ler um livro proibido em troca de uma ponte. Não há mais ninguém no mundo que nos faça uma ponte. Nem havia o raio dum salário mínimo, nem sequer direito a férias! Não havia saúde pública, ensino público, sindicatos, direito à greve... Porreiro, pá!

Este ano assinalam-se 50 anos do fim da ditatura e é chocante existirem pessoas que a ela querem voltar. Quero acreditar que não sabem o que dizem. Quero acreditar que não encontram prazer na repressão e na tortura. Quem nos tirar a liberdade, tira-nos tudo. Pesquisem entrevistas de quem passou mal, falem com gerações mais velhas, estudem as atuais ditaduras. E se mesmo assim acharem que "nesse tempo é que era", e como "quem está mal muda-se", força, emigrem para um país com um regime ditatorial e divirtam-se. Sugiro a Coreia do Norte, vão adorar.

As eleições estão à porta. Não fiquem em casa. Façam uso do direito que foi conquistado a pulso. Não tomem nada por garantido. Olhem para o que está a acontecer no mundo. Não sucumbam a discursos populistas inflamados. Não fechem as portas que Abril abriu. Precisamos de responsabilidade, comprometimento e honestidade, sim, mas nunca, NUNCA, à custa de ódio e medo.

Fascismo nunca mais, 25 de abril sempre!



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