Sou pouco mulher. Só sei que o sou porque uma vez por mês largo sangue por um orifício, porque tenho duas coisas penduradas no peito, glúteos desenvolvidos e porque não consigo mijar de pé sem me molhar pelas pernas abaixo. De resto, sou pouco gaja. Não sou romântica, não uso maquilhagem, não me produzo, não gosto de receber flores, odeio dançar, não uso vestidos nem saltos altos, não sonho com o casamento, não quero ter filhos. Odeio bebés. A última vez que fui ao cabeleireiro foi há 5 anos. Como cereja no topo do bolo, sou campeã no arroto e dou peidos com sons muito engraçados (perguntem ao meu namorado, que pouca graça lhes acha mas no fundo ri-se em silêncio). Digo palavrões a toda a hora. Conduzo agressivamente e mando toda a gente à merda. Tenho mau feitio, respondo torto, não faço fretes, não tenho sensibilidade. Uso t-shirts de bandas, de filmes e séries. Gosto de jogos de porrada e de carros. Gosto de ver bola, de discutir bola, de mandar bitaites sobre bola e de jogar à bola. Gosto de dar no ferro no ginásio. Gosto de whisky e de vodka, de tatuagens e piercings, de metal e de ir para o moche. Gosto de filmes onde todos morrem, com muito sangue, violência e tripas de fora. E de porno, obviamente.
Não se enganem, quando olham para mim dá para perceber que sou gaja (não sou daquelas que levantam dúvidas). Mas por dentro sinto-me um bocado homem porque tudo o que eu gosto e faço é normalmente atribuído a esse género. E podem crer que é uma vida estranha. As femininas olham para mim com uma certa pena, como se os meus genes estivessem trocados e sofresse de alguma doença. Também com um certo medo, diga-se. Às vezes conto-lhes os meus gostos só para lhes satisfazer a curiosidade e respondem que não posso estar a falar a sério. Deve ser por isso que nunca tive muitas amigas.
Ninguém sabe muito bem como lidar comigo. Sofro nestas alturas porque as pessoas não sabem o que me dizer ou oferecer. Se me conhecerem bem dão-me um livro (decente, e não da Margarida Rebelo Pinto). Se me conhecerem mal passo o Natal ou os anos a receber coisas de enxoval com motivos florais. Foda-se, deem-me o dinheiro. O meu próprio pai mandou-me fotos de rosas com "feliz dia da mulher" e tenho de morder os beiços para não lhe dizer que me conhece há 30 anos e não sabe que prefiro fotos de membros decepados do que de flores.
Não ser feminina não é fácil. Para mim, é ouvir a vida toda que uma mulher não arrota assim. Mas é um talento que herdei da minha mãe, que herdou da minha avó, que herdou da minha bisavó alcóolica, e contra a genética não há argumentos. Feliz dia da mulher para todas as que vivem com um pouco de cromossoma Y - vocês, nós, somos umas incompreendidas e raramente lembradas. Mas no fundo estamos confortáveis, felizes e a cagarmo-nos, certo?
1 comentários
Fascinante, tanta coisa a dizer e tão contraditória...
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