O Presente Não Existe

by - quarta-feira, maio 27, 2009


"Não é extraordinário pensar que dos três tempos em que dividimos o tempo - o passado, o presente e o futuro -, o mais difícil, o mais inapreensível, seja o presente? O presente é tão incompreensível como o ponto, pois, se o imaginarmos em extensão, não existe; temos que imaginar que o presente aparente viria a ser um pouco o passado e um pouco o futuro. Ou seja, sentimos a passagem do tempo. Quando me refiro à passagem do tempo, falo de uma coisa que todos nós sentimos. Se falo do presente, pelo contrário, estarei falando de uma entidade abstracta. O presente não é um dado imediato da consciência.(...) O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo."


Jorge Luís Borges, in Ensaio "O Tempo"


Se pensarmos no ponto como uma extensão, ele transformar-se-á numa linha. Uma linha, com princípio e fim, unindo dois pontos. Portanto, o prolongamento de um ponto não existe, pois ele em si, como elemento único, deixa de existir. Ao comparar-se o presente a um ponto, torna-se ainda mais difícil situá-lo, ou compreendê-lo. O presente é o tempo real. Embora o passado e o futuro não deixem de o ser, não o são. O presente é o pensamento. É o acto de pensarmos antes de emitirmos a palavra. É escrever e pensar uma palavra à frente. Quando damos por ele, é passado. É futuro próximo misturado com segundos do já.

O presente é o agora, e o agora não se situa com exactidão em nenhum lugar do mundo. Quando respondemos ao que é o agora, já é passado. Mas podemos pensar melhor, para termos uma resposta diferente a dar, no futuro, onde já será passado.

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2 comentários

  1. Parece que o presente é uma perda de tempo.

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  2. Quando eu procuro olhar para o agora, não me consigo despir do eu que sou, da história de que me componho. Sou aquele que nasceu num século, numa época, numa cultura, num grupo, sou aquele que aprendeu isto, que negligenciou aquilo - tudo isso está silenciosamente assistindo ao agora a que tento assistir e reflecte-se nele sem que eu me aperceba. Por outro lado, o meu olhar também não consegue arrancar de si a expectativa do mais logo, do amanhã, do mês que vem, dos anos que aí vêm, da caminhada que falta até ao incerto triunfo de mim - ou à certeza do fracasso. Ao ver o agora, a minha atenção não foge só para o ainda agora e para o dentro em pouco. Debaixo da superfície do visto, eu fujo inevitavelmente para o que eu fui e para o que serei. É o que monta o meu ver. E a partir daí sou também projectado para tudo o que foi e será, a remota história do meio em que cresci e o futuro remoto em direcção ao qual tudo corre inexoravelmente. O olhar sobre o agora alargado também é abstracção. O instante traz o infinito e só não coincide com ele por distracção nossa. Não vemos para lá da superfície.

    Protréptico

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