Ain't it Fun

by - segunda-feira, setembro 07, 2009


"Ain't it fun when you're always on the run
Ain't it fun when you're friends despise what you become.
Ain't it fun when you get so high, well that you, you just can't come.
Ain't it fun when you know that you gonna die young."


Guns N' Roses - "Ain't it Fun"
in The Spaghetti Incident? (1993)



É estranho como os excessos e os vícios, e tudo o mais que nos prejudique, nos pode colocar, por momentos, em patamares que não esperássemos que existissem. O mote e a moda de viver intensamente estão a acelerar os processos que nos aproximam de um fim mais rápido, menos sóbrio e menos digno. Procuramos constantemente formas que nos permitam escapar à monotonia e à solidão, impedindo-nos de estar a sós connosco mesmos, porque, às vezes, custa ouvir-nos pensar. Adiamos pensar, para o momento em que as nossas funções básicas cheguem ao limite, e não aguentem mais o psicadélico do intenso.


And it is so fucking fun.


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2 comentários

  1. 1/2

    Saúdo com alegria o regresso das tuas reflexões. A continuares assim, qualquer dia tens aqui material para um livro. Acho que outras pessoas para além de mim teriam prazer em ler as tuas palavras, especialmente por serem tão densas e as reflexões se complementarem tão bem, por vezes até se contradizendo, mas não deixando com isso de exprimir melhor a complexidade da vida e do vivê-la.

    Quanto a esta tua reflexão em concreto, receio que vá repetir algumas coisas dos meus comentários anteriores (a minha memória não é a melhor), mas espero simultaneamente complementá-las. Gostei de te ver a incidir sobre algo tão paradoxal como os momentos mais intensos da vida, embora a expressão talvez não seja a melhor. Com efeito, esses momentos são sublimemente divertidos e elevam-nos ao que a rotina quotidiana não permitia sequer suspeitar. Por outro lado, permitem também uma forma peculiar de partilha e subtracção à solidão. Isso parece-me natural, pois o que é que acontece na intensidade? Em primeiro lugar, há uma concentração do espírito em algo, ele não divaga, não flutua amorfamente. Há um contacto com a vida e com pura energia, em vez de haver uma dissipação. Por outro lado, esta concentração em algo concreto não é uma estagnação, mas um movimento, um movimento intenso, o qual não é desencontrado, mas harmonioso. Há uma harmonia do corpo com o que está em sua volta, com os seus pensamentos, com as suas sensações. Nada é dissonante. Não há o caos de solicitações, de coisas que pouco ou nenhum interesse têm, o amanhã, o ontem, o futuro longíquo e o passado remoto. Há o agora dinâmico, a sincronização universal, preenchida por um raio de luz puro. O resto cai em esquecimento, cai do palco para os bastidores. Isso por instantes. Logo a seguir volta o mundo e o tempo mais vastos, instala-se a multiplicidade desordenada e desencorajadora da vida. Nós precisamos desses momentos de êxtase, de saída para outro plano mais puro, para conseguirmos suportar o mundo quotidiano, para conseguirmos ter esperança. Há aí uma promessa de harmonia intensa, de sentido universal penetrante da nossa vida. É nisso que precisamos de acreditar.

    Este aspecto parece-me muito importante. O problema com o prazer intenso não é que ele dura pouco tempo e depois temos de voltar à nossa vida normal. Mesmo que fosse inventada uma máquina de prazer intenso, que conseguisse contornar os limites do corpo ou trabalhar de alguma forma como eles para manter a intensidade, ainda assim haveria uma petição por algo mais. A mera sensação não nos bastaria para ficarmos absolutamente completos, incapazes de imaginar mais. Nós precisaríamos também dos nossos amigos, dos que temos e dos que esperamos ter, do convívio com eles, bem como as possibilidades de fazermos algo na vida, de termos esta ou aquela integração num grupo, de termos feito isto ou aquilo - mesmo que seja só por nós mesmos. Nós gostamos de aprender, de conhecer melhor donde vemos e para onde vamos. O que foi o passado, o que será o futuro, o nosso concreto e o da humanidade em geral. Não somos indiferente às coisas que estão para lá das meras sensações, despidas de mundo. O divertimento não é tudo. Ele é apenas uma promessa simbólica de harmonia, mas é uma harmonia vazia, porque assenta no esquecimento momentâneo do mundo, das solicitações e preocupações deste, dos outros que vivem à nossa volta, que partilham connosco o peso de viver esta vida. É neste plano mais alargado, complexíssimo, de círculos e círculos que se abrangem uns aos outros, se cruzam, se suportam (os círculos das nossas relações, do nosso passado, do passado do nosso povo, da nossa espécie, do futuro nos seus múltiplos níveis, dos nossos projectos, dos nossos desejos, bem como dos projectos e desejos dos outros - toda esta complexa cidade de momentos vitais) - é aqui que desejamos e precisamos verdadeiramente de harmonia. Uma vida com uma harmonia intensa, com um sentido universal penetrante.

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  2. 2/2

    É verdade que esse plano é demasiado vasto para conseguir ser abrangido de forma instantânea, com toda a sua complexidade, pelo olhar da nossa sensibilidade. É sobretudo temporalmente vasto, de tal modo que não corresponde a um presente abstracto, mas a um presente alargado que se apropria da história e do futuro individuais e colectivos. Uma tal vastidão impede a concentração quase absoluta da atenção, da qual resulta a intensidade de que anteriormente falámos. Tal concentração depende normalmente das sensações corporais, as quais são capazes de invadir a nossa atenção e nos fazer esquecer de quase tudo. O desejo, a falta, a fome, o incómodo massacram-nos de tal maneira que só procuramos o alívio, alívio esse que é tanto mais intenso quanto o desejo - e assim constitui o êxtase físico. O prazer "espiritual" não é tão intenso porque baseia-se num recordar. Recordamo-nos de nós, da nossa vida, da nossa história e dos nossos projectos, sendo que esta recordação pode ser mais ou menos confuso. A concentração não é tanta como no caso do corpo, mas a harmonia não é por isso menor, pelo contrário. É mais complexa e mais próxima de uma realização vital. A dificuldade está em conseguir alargar de tal modo o horizonte da realização que ele consiga abranger a totalidade da nossa vida e do nosso ser. Como reconstruir toda a vida de tal modo que tudo nela faça sentido, tudo nela seja expressão de nós mesmos, sejam canais pelos quais a nossa energia se desenvolve e constrói formas cada vez mais belas de si mesma - e não apenas uma diversidade mais ou menos caótica, mais ou menos exterior e irrelevante, mais ou menos molesta?

    É verdade que nós temos uma certa afinidade com os momentos intensos da vida, com os píncaros do prazer e da sensação. Contudo, acho que essa afinidade assenta no anseio por outra coisa que aí é vivenciada apenas de forma simbólica. É o anseio de viver tudo como uma unidade que faz sentido. Nessa medida, esses píncaros de sensação são uma unidade quase vazia. Mesmo quando estamos acompanhados por outros, é um acompanhamento superficial. O outro é a sensação que tenho dele, que pode ser táctil ou visual, pode até implicar que esteja afeiçoado ao outro e habituado a estar com ele (que o conheça), mas não implica que eu verdadeiramente o conheça e saiba o que é a vida que ele vive e que eu também vivo. Nessa medida, o que verdadeiramente ansiamos é uma unidade universal, não esquecida mas recordada daquilo que nós somos e que faz parte do nosso ser. Perde-se a intensidade com a complexidade, mas ganha-se a profundidade e a riqueza de um mundo no qual vivemos com a consonância que no prazer intenso apenas nos é prometida.

    É provável que isto faça pouco sentido, pois não é fácil ver a que é que corresponde a alternativa que eu sugiro. É sem dúvida uma possibilidade distinta das possibilidades quotidianas. Contudo, eu acho que é viável e acho que sei como começar a trabalhar nela. Implica contudo que abdiquemos da forma normal de viver a vida e a transformemos de uma ponta à outra por meio da reflexão sensitiva. Ah, mas já me estou a alongar demais. Fico, então, por aqui.

    Protréptico

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