Pessoas estranhas #116 - os observadores de obras

by - quarta-feira, abril 03, 2019

"Onde há fumo há fogo" - um ditado cuja popularidade e forma serão em breve substituída por "onde há obra há reformado". Desafio um de vós a dizer-me que nunca viu um grupo de reformados diante de uma obra. Por favor, desafio-vos.

É certo e sabido que quando se atinge os 65 anos de idade, começa a crescer um formigueiro, um entusiasmo inexplicável, um íman que atrai o macho sénior para a nobre actividade da observação de obras. É fácil reconhecer estes vândalos da opinião da construção civil: operam em grupos, grandes e pequenos, e ficam estáticos, de mãos atrás das costas, estas ligeiramente inclinadas. De vez em quando arriscam as cruzes, baixando-se até a uma posição que não usavam desde 1986, se for preciso observar de perto por baixo de um pial ou uma entrada subterrânea para uma garagem. Alguns membros do gangue podem usar bigode, ou não, é mais possível que enverguem uma boina ou boné, porque isto de estar lá fora muito tempo deixa assaduras nas bochechas e pontas dos narizes. Todos eles expelem um leve cheiro a mofo e naftalina, mas também todos os velhos cheiram ao mesmo. Não é por observarem as obras, eu é que quis dizer isto.

Quando se atinge a idade da reforma, e não importa qual é a actividade que exerciam, todos ficam experts em obras. Quer tenham sido barbeiros, bancários, contabilistas, motoristas, não importa - entre a faixa dos 60 e 70, um dia eles acordam a saber tudo sobre a arte de armar betão. E assim colam-se à frente da construção, metendo conversa com os pedreiros, atirando bitaites, emitindo opiniões que isto devia ser assim ou assado, e que a tal janela devia estar virada nascente em vez de poente, e que a inclinação da entrada devia ter menos 9 graus, atiram datas para o ar adivinhando quando aquilo irá estar acabado (se calhar fazem apostas), vão buscar o lanche e a mini à pressa e emborcam tudo sem tirar a obra de vista, ainda assim ela termine e eles não estejam no seu posto.

E depois o processo termina e eles lá vão para a próxima obra (devem ter uma aplicação secreta que lhes diz onde existem mais obras nas imediações), até a Maria ter o jantar feito. Um dia, veremos anúncios de emprego para estes observadores de obras, porque é injunto usarem o seu intelecto em decadência para tanta opinião e não receber nada em troca. Quando virem o próximo gangue de observadores, parem, escutem, juntem-se uns minutos, apreciem o conhecimento desmedido que estes homens têm para dar. Pena que seja um clube exclusivo a machos, porque nada me daria mais prazer do que passar a velhice a levar com aquele pó de cimento na tromba. Dizem que faz milagres às rugas.

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