Pessoas estranhas #125 - os jornalistas do combustível

by - terça-feira, agosto 13, 2019

Dentro de todas as palhaçadas relacionadas com o assunto da greve dos motoristas de materiais perigosos, a maior, para mim, é a palhaçada da comunicação social. Eu sei que é verão, silly season e tal, e os profissionais do ramo contam, durante agosto, com os grandes calores e incêndios para fazer notícia. Ora na ausência destes assuntos, esta greve calhou na mouche para tapar buracos que antes eram preenchidos a perguntar ao Zé se a água algarvia está do agrado.

Todo o alarmismo que está a acontecer há uma semana tem como maiores culpados a comunicação social. Grevistas, governo, sindicatos e demais intervenientes vão fazendo o seu papel, bem ou mal, mas os jornalistas estão a roçar o ridículo. Há uma semana que estão plantados nas bombas a contar carros nas filas, num tom de alarme mesmo quando não se vê um pintelho no horizonte.

"Ora estamos aqui e está tudo NORMAL, tudo corre de forma REGULAR, aqui ainda há todos os combustíveis como HABITUAL, mas esse cenário pode mudar a qualquer momento, a procura vai ser imensa nas próximas horas. Como podemos ver, tudo decorre a um ritmo COMUM, como é NATURAL para o período do meio da manhã. Não sabemos no entanto como vai ser nos próximos dias, sendo que se espera o apocalipse zombie". (Repare-se em como foram ao dicionário consultar sinónimos para "normal".)

Ou então.

"É o HORROR, já não vemos o fim às filas, os clientes necessitam de combustível para o trabalho e para as férias, há pessoas com jerricans, é o ESCÂNDALO, há discussões, o FIM DO MUNDO em ceroulas, vamos agora entrevistar um visado
- Está aqui há quanto tempo? Uma meia-horita.
- Veio pôr gasolina ou gasóleo? Gasolina.
- Precisa de combustível para trabalhar? Não. Mas pronto.
- Como acha que vai sobreviver? Vou comer pão duro e arroz branco, mas tenho petroil.
- Quem é o culpado disto? Os motoristas, que abusam e não pensam nas pessoas. Os patrões deles que lhes falham. O governo que não resolve.
OBRIGADO e BOA SORTE!"

Ligar a televisão num canal noticioso neste momento é ver uma variável destas situações. Não há mais nada para transmitir, por isso transmite-se o nada, o vazio. Criam-se cenários de perigo onde não os há, aumentam as necessidades, exageram nas reacções, têm conversas de chacha, apontam dedos para um lado e para o outro, chamam comentadores que não se sabe de onde apareceram para gritar uns com os outros, fazem perguntas de merda aos intervenientes, repetidamente, porque, enfim, é agosto. A guerra das audiências exacerba esta situação toda e às vezes é melhor sintonizar o FOX Movies e não comprar o jornal do que aturar esta merda.

Quanto se desligarem deste excesso de "informação" terão tempo para pensar em como somos tão dependentes destas matérias primas, e o que podem fazer para se libertarem da pressão do ouro negro, caro, poluente, que promove conflitos, diferenças, pobreza, e em como somos uns peões num jogo entre potências mundiais que só pensam em lucro e para os quais somos umas formiguinhas consumidoras. Eu, se tivesse um canal, falava sobre isto em vez de acampar nas bombas de Vizela, comendo sandes super inflaccionadas, com uma unha de manteiga e uma folha de alface dobrada em dois.


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4 comentários

  1. É um exagero, não há pachorra! Beijinho!

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  2. Tenho estado a ler crónicas interessantes das décadas de 60 e 70 do século passado, escritas por jornalistas e não só, em diversas publicações, que já não existem, mas que se encontram disponíveis na net e quando leio ou oiço na televisão esta nova classe de jornalistas e respectivas direcções, para além dos célebres "especialistas na matéria", dá-me tristeza, porque nunca pensei que seria possível um dia chegar-se tão baixo. Subscrevo o seu texto.
    Bom feriado!

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  3. A quantidade está a suplantar a qualidade. Não precisamos de mais canais, mais jornais, mais blogues e fóruns, etc, se tudo se torna uma guerra pela atenção do consumidor, prejudicando a verdade, a isenção e a transparência. Vivemos tempos estranhos e acho que não há volta a dar :( Bom feriado e obrigada pela visita!

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