Isolamento

by - sábado, maio 15, 2010

"O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pessoa - de uma só pessoa que seja - atrasa-me imediatamente o pensamento (...). Sou capaz, a sós comigo, de idear quantos ditos de espírito, respostas rápidas ao que ninguém disse, fulgurações de uma sociabilidade inteligente com pessoa nenhuma; mas tudo isso se me some se estou perante um outrem físico, perco a inteligência, deixo de poder dizer, e, no fim de uns quartos de hora, sinto apenas sono."

in Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa

Sozinha, desenho longas linhas de diálogos, planeio, viajo, sem sair do mesmo lugar. Tudo é mais fácil, sinto-me corajosa, capaz, aceito sem hesitar o meu plano perfeito que me levará apenas a situações felizes. No meu isolamento, converso comigo, convenço-me, sei o que quero e o que é melhor para mim, não tenho dúvidas. Sem mais presenças, sou forte, elevo-me, sou superior, acredito. Ouço-me, e tudo o que me digo tem lógica, faz sentido, e anuo, em conformidade. Uma vez regressada à realidade social, o meu tempo comigo não existiu. A incerteza instala-se, a dúvida começa, como se a introspecção e a motivação que ganhei sozinha, não tivessem acontecido. Deixo de ter a minha força, para ser apenas mais uma força no Universo, uma massa de um rebanho, em que a minha vontade nunca é 100% minha, é minha e de mais alguém. Sinto que sou minha e de muitos outros.
E quando volto a estar sozinha, abraço, com sentimento de posse, o meu eu, por enquanto, sonhador, e firme.


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4 comentários

  1. Estava, ainda agora, a desenhar o pormenor de um degrau de uma escada e várias coisas (não sei quantas e, talvez, nem mesmo ao certo quais) fizeram sentido. Expressaram-se de repente, de uma vez só. Hás-de ler. É o mais recente post no meu belhógue.

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  2. Ya, já vi :)
    Esse tipo de pensamento surge, pelo menos falando do meu caso, quando estamos num nível de alheamento já elevado.

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