Livros bacanos #3 - Três, de Valérie Perrin

by - quinta-feira, janeiro 16, 2025

Na minha última ida à biblioteca, a bibliotecária, que já me viu sair e entrar inúmeras vezes com livros debaixo do braço, disse-me: "Creio que temos gostos similares. Penso que gostas de histórias muito humanas com um toque negro." Pois claro, assenti. E recomendou-me Valérie Perrin. Peguei no Três e comecei a ler no próprio dia. 

É tudo o que ela disse, e mais. Daqueles, raros, que nos tiram o ar, e nos fazem pensar nele em momentos random do dia. Daqueles que, quando os terminamos, não terminam, devido à marca deixada, não como uma nódoa negra, que essa acaba por se dissipar, mas como uma tatuagem. Mesmo assim, provocam a dor da despedida. Senti isto numa mão cheia de livros ao longo de toda a vida, e senti-o agora. Não vou dizer sobre o que é, nem tecer comentários, porque foi tão pessoal e especial, que mais do que isto (recomendar) sinto que é estragar a experiência (a minha e a de futuros leitores).

Deixo apenas um trecho, não relacionado com o tema principal, que me fez lembrar o tempo em que saí do Alentejo para ir estudar para a capital:

"Desde que vive em Paris, tem a sensação de já não ver o céu. De comer betão. Antes era o verde, agora é o cinzento aquilo que tem na retina. Nunca ninguém lhe falara daquela violência. Discorre-se sobre conflitos mundiais, prisões, histórias de amor, faits divers, os pasmados, os velhos, prostituição, os desempregados, o fabrico de automóveis, mas nunca ele ouvira testemunhos sobre o que sente um provinciano quando desagua em Paris. Tudo parece imenso, perdemo-nos, sentimo-nos perdidos mesmo que não o estejamos, ninguém se fala, ninguém se vê, ninguém se cumprimenta. Os olhares voltados para um interior imenso, um labirinto de solidões. Como se uma tristeza comum estivesse colada às solas dos utentes do metro.
Paradoxalmente, apesar da opressão, da multidão, Adrien sente-se mais livre. Afogado nas massas. Ser anónimo tranquiliza-o. Aqui, não há mexericos, maledicências nem juízos de valor. Aqui, estão-se todos nas tintas para os outros. Quando se morre em Paris, ninguém sabe. Quando se morre em La Comelle, sai um artigo no jornal. 

in Três, de Valérie Perrin



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