Livros bacanos #1 - Trainspotting, de Irvine Welsh
"_ Quando somos novos temos imensas esperanças, mas depois acomodamo-nos. Percebemos que mais dia menos dia vamos todos morrer, sem termos descoberto as respostas às grandes perguntas. Desenvolvemos uma série de teorias chatas que só servem para interpretar a realidade das nossas vidas de diferentes maneiras, mas que não ampliam o nosso corpo de conhecimentos válidos sobre as coisas importantes, as coisas reais. Basicamente, vivemos vidas curtas e decepcionantes, e depois morremos. Preenchemos as nossas vidas com as mais variadas merdas, coisas como a carreira profissional e as relações amorosas, só para nos convencermos que não foi tudo em vão. O cavalo é uma droga honesta, porque destrói estas ilusões. Com o cavalo é assim: quando te sentes bem, sentes-te imortal; quando te sentes mal, intensifica a merda que já estava dentro de ti. É a única droga verdadeiramente honesta. Não altera o estado de consciência dum gajo. Primeiro dá-te um flash e uma sensação de bem-estar. Depois disso, começas a ver as desgraças do mundo tal como elas são, e não há modo de te anestesiares contra elas."
in Trainspotting, de Irvine Welsh (1993)
Toda a gente conhece o título Trainspotting, talvez mais por causa do filme realizado por Danny Boyle em 1996, do que propriamente pelo livro. O filme já tinha visto há muitos anos. O livro, li-o agora. Se acharam o filme cru, o livro ainda o é mais, como é habitual nestas adaptações.
De uma realidade fria e sem filtros, não é para todos os estômagos. A linguagem é violenta, as acções são violentas, o desenrolar dos acontecimentos é violento. Para mim, estupendo, que lambo os beiços por estas coisas.
Tecnicamente pode não ser fácil de ler, porque não tem propriamente uma linha narrativa linear. O texto conta-nos o dia-a-dia de um grupo de amigos de Edimburgo que são basicamente uns parasitas sociais, drogados, bêbados e desempregados que vivem à custa de subsídios e esquemas e fazem questão de, orgulhosamente, o continuar a fazer. A narrativa dá imensos saltos e tem diferentes narradores que podem não ser imediatamente identificáveis. Foi-me natural entrar neste modo de diferentes vozes e momentos - o leitor dá por si a reconhecer, pelo estilo da linguagem e pela cadência das palavras quem está a falar-nos naquele momento. Este registo de não nos dar tudo de bandeja é para mim um plus.
Outro ponto que nos mostra a beleza deste livro é que, apesar de estarmos a falar de viciados em heroína que só pensam em droga, sexo e arranjar dinheiro para droga e sexo através de meios duvidosos, passamos a gostar imenso destes personagens. Nem percebemos porquê. São uns mal-educados, muitos são violentos, tratam mal as mulheres, os pais, desprezam os outros por razões mesquinhas, e aqui estamos nós, leitores, sensibilizados, a desejar-lhes tudo de bom.
Irvine Welsh não tem papas na língua (ou na caneta) e este livro representa tudo o que ele é, não só no estilo como nas experiências vividas. Tornou-se um objecto de culto e veio definir a linha literária do autor.
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