Pessoas estranhas #115 - a Joana Bento Rodrigues

by - quarta-feira, março 06, 2019

Este artigo é de fevereiro, mas só agora o consegui ler na íntegra. Na altura, reparei em alguns excertos partilhados nas redes sociais, e achei uma comédia tão hilariante que decidi guardar para ler depois. E agora não consigo ficar calada, porque esta senhora, a Joana Bento Rodrigues, que está muito bem conservada para quem tem 240 anos, não me representa enquanto mulher e quero deixar isso bem claro.

"A mulher dita feminista – a que integra as “tribos”, a que se deslumbra com as capas de revistas, a que se diz emancipada, a que não precisa de relações estáveis, a que não quer engravidar para não deformar o corpo nem perder oportunidades profissionais, a que frequentemente foge da elegância no vestir e no estar – optou por se objectificar, pretendendo ser apenas fonte de desejo em relações casuais, rejeitando todo o seu potencial feminino, matrimonial e maternal. São estas três últimas, as características mais belas da mulher!"

Começamos tão bem! De acordo com a Joana, uma mulher que não queira uma relação estável, que não queira ser mãe para não perder oportunidades profissionais ou para não estragar o corpo ou que não se vista com elegância, está-se a objectificar. Que lindeza! Eu pensava que era uma pessoa normal, orgulhosa das minhas escolhas, mas afinal sou um objecto tosco e sem préstimo que não aproveita a maravilhosa tríade feminismo-matrimónio-maternidade, porque toda a gente sabe que a vida só vale a pena ser vivida castamente, de anel no dedo e papel assinado, e com um barrigão produtor de fetos. Estou tão enganada, porque pensava que as minhas colegas que andam aqui na passarelle a mostrar as boobs envolvidas em banho de Chanel e que roçam o pézinho no coisinho do chefinho é que se estavam a objectificar... mas não, elas estão sempre elegantes e impecáveis. Eu, só por andar de ténis, nem merecia o estatuto de mulher. Shame on me.

"O potencial matrimonial reside, precisamente, no amparo e na necessidade de segurança. A mulher gosta de se sentir útil, de ser a retaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem sucedido. Esse sucesso é também o seu sucesso! Por norma, não se incomoda em ter menos rendimentos que o marido, até pelo contrário. Gosta, sim, que seja este a obtê-los, sendo para si um motivo de orgulho. Porquê? Porque lhe confere a sensação de protecção e de segurança."

Joana, Joaninha. A mim, que vivo uma relação em pecado em que é "cada um na sua casa", o que me dá segurança é receber um ordenado ao fim do mês. Estabilidade é não depender de ninguém para me pagar a casa e as despesas. Devias experimentar. Dá um gozo do caraças! Não ter de dar contas porque o dinheiro é meu, faço o que quero com ele. Não fazes ideia de como é libertador! Um dia, quando visitares este século, talvez eu te possa mostrar como.

"O potencial da maternidade é algo biológico! A mulher é provida de um encanto, de uma ternura, que só se encontra na sua relação com os filhos. Ela é o porto de abrigo das crianças. Na maternidade, a mulher sente-se verdadeiramente realizada, pois percebe o que é o verdadeiro e incondicional Amor! Não espanta, pois, que não possa demitir-se dessa função e que a maternidade seja, por norma, um fortíssimo apelo, ainda que subconsciente."

É verdade. É que no ano de 1779 onde a Joana está, não há muito para uma mulher fazer a não ser parir. E também ainda não inventaram os métodos anti-concepcionais, a não ser mandar as prenhas pelas escadas do celeiro abaixo. Temos de avisar a Joana que agora a mulher tem escolhas. E que nunca houve tantas mulheres que não querem ser mães, o que não faz delas menos mulheres ou pessoas piores - é simplesmente uma escolha como outra qualquer. Muitas delas, como eu, a quem a biologia trocou as voltas e não têm o tal relógio, não encontra magia em fraldas cagadas, nas noites sem dormir, nas birras infinitas, nos berros, nas faltas de educação e, principalmente, na falta de liberdade. Ser childfree é tão, mas tão bom. Posso ir jantar fora, a concertos, chegar às horas que quero, posso beber álcool, fumar erva, gastar o meu ordenado só em mim própria, comprar livros e mais livros, e viajar, e ser excêntrica. Foda-se, não ter filhos é a melhor merda. Para outras, ter filhos será a melhor merda. O que é importante é que cada um tem de construir a sua própria felicidade, sem fórmulas. Se ela é feliz de uma maneira, não tem de impor as suas ideias aos outros como se fossem verdades absolutas. Há muitas maneiras de uma mulher se sentir realizada, e dar uso ao útero, é só uma delas...

"Este activismo tornou-se, inclusivamente, desprestigiante para a mulher. Priva-a da possibilidade de ascensão social e profissional pelo mérito. Retira-lhe a doçura e candura. Nega-lhe o papel fundamental do matrimónio e da maternidade. Objectifica a mulher, enquanto presa para sexo fácil e espaço de diversão. Promove paradas onde se expõe o corpo de forma grosseira e agreste à visão. Claramente, não representa a “mulher comum”!"

Faz-me comichão ler "ascensão profissional" e "papel do matrimónio" no mesmo parágrafo - há aqui qualquer coisa que não bate bem. A comichão começa ao ler que o activismo tira prestígio à mulher, mas neste momento só sinto um extremo cansaço - a Joana venceu-me pelo cansaço - e vou dizer, está bem. Ok. Fique lá com o seu mérito de esposa calada e bem apessoada, grande organizadora de jantares com a senhora lá de casa ao leme. A mulher não tem de ser doce e cândida. Isso já nem no Orgulho e Preconceito, escrito em 1813, ainda longe da sua época (há-de lá chegar). A mulher quer-se forte, determinada, arrojada, sem medo de arriscar. Não deve ficar sentada ao canto da sala depois de servir chá, de perna cruzada com a sua saia por baixo do joelho. Deve dançar se lhe apetecer, pôr a música alta, rodopiar, sentir-se uma criança, soltar uns palavrões, correr, ser forte, ser o que quiser! Toda a gente devia ser assim, livre, seja qual for o género! E não tem nada a ver com o sexo, mas que merda! Que mulher travada! Qual é o problema do sexo ocasional, se fosse o caso? Foda! Foda mais! Foda por prazer, não para procriar! Retire os benefícios de uma boa foda! Seja a verdadeira mulher comum, rasgue a roupa cara, dê e leve um tabefe, urre à lua, borre essa maquilhagem, grite, esfole, liberte-se!

E depois no fim do artigo li isto: Médica. Membro da TEM/CDS.
CDS? Nem merecia a pena ter escrito tanto. Havia muito mais por dizer, mas temos de poupar os deficientes. 


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2 comentários

  1. Não sei quem é, mas se até a minha querida "Jane" é mais evoluída, que bem vivo na ignorância da existência de tal ser 😊👽

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  2. Eu também não sabia, mais valia ter-me mantido na ignorância porque fiquei a fumegar! Beijinhos ;)

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