Desperdiça cada dia

by - quinta-feira, outubro 03, 2019

"_ Devias estar na praia, como hoje. Devias apanhar mocas e bebedeiras e fazer uma data de sexo. (...) Para mim, a coisa mais triste do mundo é um rapaz de vinte e cinco anos a falar da Bolsa! Ou dos impostos. Ou da propriedade imobiliária, raios partam! Não vais falar de outra coisa quando tiveres quarenta. Propriedade imobiliária! Qualquer tipo com vinte e cinco anos que diga a palavra refinanciar devia ser morto a tiro. Fala de amor, de música e de poesia. De coisas que toda a gente se esquece de que chegou a achar importantes. Desperdiça cada dia, é isso que te digo."

in Less, de Andrew Sean Greer (2017)

A vida é uma seca. Mais dia menos dia, quem for vivo vai-se deparar com os impostos, o desemprego, a pressão no trabalho, a hipoteca, ou aluguer, o empréstimo para o carro (e o selo, e a gasolina, e o seguro, e as portagens, e as inspecções, e as revisões), a comida na mesa, o IRS, inquéritos, formulários, contratos, assinaturas, créditos, cartões, mensalidades, os transportes, mais a luz, e o gás e a água, a internet e a TV, os dados móveis, para não falar do apoio à família, e do sistema de saúde que não funciona, e as consultas que tardam, e do tempo que é para renovar o CC - a vida é a porra duma burocracia e se formos a contabilizar o tempo e o dinheiro que gastamos nestas andanças ficamos depré.

Por isso fico admiradíssima quando as pessoas querem que os filhos, sobrinhos, enteados, amigos, etc, amadureçam à força. Não é errado ser-se maduro, mas deixem que a coisa vá lá naturalmente (quando possível). É uma tristeza quando deixamos de ser jovens, não no papel, mas no espírito. Deixem os moços e moças errar, e beber, e chegar a casa no dia seguinte, e dormir até tarde, ouvir música aos berros, viajar, ir a concertos e festivais, e esbanjar dinheiro numa loucura. Não se zanguem por fazerem concursos de peidos e arrotos, ou jogarem strip-poker, ou por lerem banda desenhada. Não lhes digam quando casar e se devem ou não procriar. Eles vão ter muito tempo, o resto da vida - a pior parte dela - para lidar com a responsabilidade. E poucos serão adultos completamente felizes.

Sou uma adulta normal e orgulho-me de ganhar concursos de arrotos aos 34 anos. Não há qualquer problema nisso. Adoro dar grandes peidos quando vou com o meu namorado no elevador (e ele faz o mesmo). É nesses momentos que me rio até me doer a barriga e que me esqueço do peso da vida. Ainda me sento com os amigos a dar pontuações às gajas que passam. Ainda ando no moche nos concertos. Ainda gasto um balúrdio de dinheiro só num dia, se me apetecer, como no mês que vem, para ir ver um concerto a Paris. Ainda faço photobombs quando vejo alguém a tirar fotos e me meto por trás. Ainda faço de emplastro quando vejo uma câmara da TV. Ainda ando nos carrosséis e faço corridas para ver quem chega primeiro a algum lado. E não deixo ser uma pessoa que cumpre as suas responsabilidades sociais, civis, que tem um trabalho e um ordenado razoáveis e que é relativamente respeitada pelos pares.

Sem ir a extremos, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, sejam infantis q.b. e vejam a vida que ganham. Se vos disserem que aproveitar a vida é ser apenas sério, construindo os pilares seguros do vosso futuro financeiramente, e na educação, e na vida social, (boring) então disperdicem-na um bocadinho...


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2 comentários

  1. Eu chamo-lhe mais aproveitar bem! E fazer o que queremos é bem mais importante do que dar importância ao desdém dos outros. Quando já mais de metade da minha vida lá vai (e não estou a ser negativa, mas realista), cada dia tem de ser muito bem aproveitado com o que mais gosto, sobrevivendo às oito horas/cinco dias o melhor possível.
    Espero que esse concerto parisiense seja épico (e gastar no que mais nos dá prazer não me parece nada que seja qualificável de balúrdio).
    Bom fim de semana

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  2. Há que manter a centelha da vida acesa :) beijinho Paula!

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