Sempre esta sensação que estou a perder

by - quinta-feira, setembro 06, 2018

António Variações foi um visionário, um sábio, nascido numa era que não o compreendeu mas que carrega e carregará consigo, para sempre, palavras mágicas que, mais tarde ou mais cedo, acabamos por senti-las como nossas.

"Estou além" é uma canção muito inteligente, alegre nos acordes e algo sombria na mensagem, que nos fala da eterna insatisfação do ser humano. Há inevitavelmente momentos de maior confusão interna em que esta canção nos assenta que nem uma luva e, enfim, temos a pressa e a ansiedade de chegar onde só estamos bem onde não estamos. A lado nenhum.

Mais dia menos dia, um dia acordamos desejosos que o dia acabe. Sabemos de antemão que nada de bom virá de mais um nascer do sol. Sabemos que serão apenas 24 horas pesando sobre os ombros, mais uma ruga, uma rotina, um cabelo branco, mais um dia sem significado. Queremos sair desta linha monótona, mas não sabemos como. Queremos ir para outro lugar, mas não sabemos qual.

Questionamos o que estamos aqui a fazer. Pesamos os "ses" da vida e onde poderíamos estar se tivessemos ido para a esquerda em vez de para a direita. Os pensamentos vão recuando no tempo, e questionamos até as escolhas que fizemos na adolescência e infância. E se tivesse estudado outra coisa? E se tivesse emigrado? E se me tivesse tornado uma eremita vivendo isolada num monte alentejano? Todas as respostas possíveis embrulham-se num novelo que, embora confuso e sem conseguirmos descobrir o início e o fim da meada, nos parecem melhores do que a vida que levamos.

Tentamos descortinar onde aconteceu o ponto sem retorno que definou a vida que levamos hoje. Tudo parece errado. Se existiram más decisões, sentimos que as tomámos todas. E apesar dos clichés que nos atiram, que nunca é tarde para mudar, para ir, para conhecer, falta-nos a energia e a coragem para refutar um presente construído por nós mas que, a cada dia, nos vai passando ao lado.

Um dia destes, ouvindo o Variações, confirmei para mim mesma que as dúvidas nos assaltaram desde o início dos tempos e vão continuar a assombrar a nossa existência até que o último humano desapareça da Terra. Nascemos e morremos sozinhos, mas estamos unidos nesta incessante busca por um lugar de pertença. Alguns fazem esta travessia no deserto com a animação típica dos optimistas; outros, têm sempre qualquer coisa atravessada na garganta que não sai nem a ferros, acumulando frustrações.

A vida é um cemitério de expectativas.

 

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2 comentários

  1. A última frase diz tudo. Sem dúvida que muitas vezes sentimos isso.

    Alguns dirão que pensamos demais, eu acho que o resto do mundo é que vive oco. Estamos juntas. Tão diferentes em tanta coisa, mas tão iguais nas nossas questões. Honestamente humanas. ****

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