Matar como beber um copo de água

by - terça-feira, julho 28, 2020

Bruno Candé tinha 39 anos, era actor, tinha família. Foi morto em plena luz do dia numa conhecida zona lisboeta. Levou quatro tiros no peito. O assassino era um homem idoso que tinha uma arma sabe-se lá como e porquê. Há quem diga que havia atritos entre os dois por causa da cadela de Bruno. Há quem diga que o velho tenha dito coisas como "preto, volta para a tua terra" dias antes de o matar. Há quem tente desculpar o velho porque tinha problemas mentais. Há quem tente desculpar o velho porque a cadela de Bruno o incomodou.

Não sei se foi um crime motivado por racismo. Não tenho na minha posse os factos e o enquadramento. Mas pouco me importa. Seja qual for o motivo do ódio, foi ódio. Assusta-me que tenha sido num bairro qualquer, a uma hora qualquer, por um motivo qualquer. Podia ter sido eu, podias ter sido tu. Hoje, mata-se tão facilmente como se bebe um copo de água. Tiram-se vidas por nada. O ódio cresce por nada. E estou farta do ódio. Porque é que sentimentos tão negros crescem relativamente ao próximo? Compreendo pais que odeiem o homem que lhe violou a filha. Compreendo alguém que odeie a pessoa que ateou um fogo e lhe levou tudo o que tinha na vida. Compreendo reacções a quente a coisas graves como estas - mesmo assim, nada justificando que se mate a sangue frio.

Seja o motivo deste crime racismo ou não, o ódio prolifera no nosso país e no mundo. Nasça como nasça, cresça como cresça o ódio, somos um povo de brandos costumes mas de pavio curto, com preconceitos relativamente à raça, etnia, nacionalidade, género, preferências sexuais, e a toda e qualquer diferença.

O crescimento da extrema direita é prova disto. Eles comunicam por linhas tortas e dissimuladas que há quem seja inferior a outros por ter nascido em certo sítio, por morar em tal local, por ser vontade de deus, pelo seu passado, pelos traços físicos. Uma coisa que abomino é a generalização, que é perigosíssima. Julgar toda uma comunidade, uma etnia, um bairro, uma cidade, até uma família, pelos erros de um, é ter todos os instrumentos para atear um fogo que se pode tornar incontrolável. É um rastilho que acende simplesmente por não sermos todos iguais.

Não tivemos todos uma infância feliz, o mesmo acesso à saúde, aos estudos, a alimentos, ao emprego, a habitação digna. E é essa desigualdade que devemos combater. As nossas energias devem ser dirigidas para que toda a gente tenha as melhores condições de vida possíveis. Independentemente se são negros, brancos, amarelos, gordos, gays, velhos, pernetas, carecas, lindos, feios, bissexuais, mulheres, crianças, morenos, loiros, homens, ruivas, sardentos, doentes, saudáveis, magras, manetas, anões. Porque é na diversidade e na sua aceitação e respeito que reside muita da beleza de aqui estar. Por favor, vivam e deixem viver.

O Bruno não merecia morrer.


Imagem: PAN

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