Palavras do Abismo

Bruno Candé tinha 39 anos, era actor, tinha família. Foi morto em plena luz do dia numa conhecida zona lisboeta. Levou quatro tiros no peito. O assassino era um homem idoso que tinha uma arma sabe-se lá como e porquê. Há quem diga que havia atritos entre os dois por causa da cadela de Bruno. Há quem diga que o velho tenha dito coisas como "preto, volta para a tua terra" dias antes de o matar. Há quem tente desculpar o velho porque tinha problemas mentais. Há quem tente desculpar o velho porque a cadela de Bruno o incomodou.

Não sei se foi um crime motivado por racismo. Não tenho na minha posse os factos e o enquadramento. Mas pouco me importa. Seja qual for o motivo do ódio, foi ódio. Assusta-me que tenha sido num bairro qualquer, a uma hora qualquer, por um motivo qualquer. Podia ter sido eu, podias ter sido tu. Hoje, mata-se tão facilmente como se bebe um copo de água. Tiram-se vidas por nada. O ódio cresce por nada. E estou farta do ódio. Porque é que sentimentos tão negros crescem relativamente ao próximo? Compreendo pais que odeiem o homem que lhe violou a filha. Compreendo alguém que odeie a pessoa que ateou um fogo e lhe levou tudo o que tinha na vida. Compreendo reacções a quente a coisas graves como estas - mesmo assim, nada justificando que se mate a sangue frio.

Seja o motivo deste crime racismo ou não, o ódio prolifera no nosso país e no mundo. Nasça como nasça, cresça como cresça o ódio, somos um povo de brandos costumes mas de pavio curto, com preconceitos relativamente à raça, etnia, nacionalidade, género, preferências sexuais, e a toda e qualquer diferença.

O crescimento da extrema direita é prova disto. Eles comunicam por linhas tortas e dissimuladas que há quem seja inferior a outros por ter nascido em certo sítio, por morar em tal local, por ser vontade de deus, pelo seu passado, pelos traços físicos. Uma coisa que abomino é a generalização, que é perigosíssima. Julgar toda uma comunidade, uma etnia, um bairro, uma cidade, até uma família, pelos erros de um, é ter todos os instrumentos para atear um fogo que se pode tornar incontrolável. É um rastilho que acende simplesmente por não sermos todos iguais.

Não tivemos todos uma infância feliz, o mesmo acesso à saúde, aos estudos, a alimentos, ao emprego, a habitação digna. E é essa desigualdade que devemos combater. As nossas energias devem ser dirigidas para que toda a gente tenha as melhores condições de vida possíveis. Independentemente se são negros, brancos, amarelos, gordos, gays, velhos, pernetas, carecas, lindos, feios, bissexuais, mulheres, crianças, morenos, loiros, homens, ruivas, sardentos, doentes, saudáveis, magras, manetas, anões. Porque é na diversidade e na sua aceitação e respeito que reside muita da beleza de aqui estar. Por favor, vivam e deixem viver.

O Bruno não merecia morrer.


Imagem: PAN

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Morreu no dia de Natal. Quem diria que a voz de Last Christmas, um dos êxitos mais tocados nesta época, iria adormecer para sempre neste mesmo dia. 2016 tem sido um assassino sem precedentes, mas esta foi mesmo a alfinetada melhor metida.

Muito o admirava. Foi um dos grandes percursores da música pop, conhecido mundialmente, talentoso e dono de uma voz reconhecida por todos. Tantos karaokes passei a cantar as suas músicas, tantos momentos que passei com amigos a cantar a Careless Whisper e a fingir que tocava aquele saxofone imaginário. Risadas arrancadas à força desta balada que nos entretia embora a entoássemos teatralmente com falsos sentimentos de amor. Marcou também uma viagem a Londres, em que ficámos hum hostel em Picadilly, perto do qual um saxofonista tocava esta música sem parar e, consequentemente, nós também, e sempre associámos a canção à nossa viagem.

Uma vida marcada pelo abuso de drogas, álcool e por escândalos que agora tem fim demasiado cedo. 53 anos não é idade para se morrer. Mas quem entrega assim o coração, todos os natais, estava em risco de ficar sem ele. Ontem quando acordei com esta notícia não quis acreditar. A irreverência e rebeldia têm significado maior também por causa de ti. Adeus George Michael. Tens um lugar especial nas minhas memórias.


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Nunca apreciei a música do Prince. Não que o considerasse mau artista, nada disso, apenas não gosto do género musical e por isso nunca lhe dei muita atenção. Mas aprecio pessoas criativas e com o seu quê de génio. Pessoas que desafiam os outros e que se desafiam a si próprias, que criam, que são inconformadas e que levam as coisas para a frente. E ele assim o era.

Ele mudou a música, inspirou quem faz música, foi um ícone da moda e um vanguardista em várias áreas. Criou grandes letras, foi actor, mestre em vários instrumentos e tinha aquela voz inconfundível que, mesmo quem não gostava, como eu, conhecia à légua.

É sempre mau perder quem fez tão bem à arte durante décadas. Nos últimos tempos verdadeiros talentos têm partido para o outro lado. Talvez queiram permanecer juntos. Quem sabe se o Lemmy, o Bowie e o Prince não estarão a improvisar qualquer coisa numa garagem no céu.

A genialidade não devia partir tão cedo. Adeus, Prince.


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Engraçado como há 20 anos atrás eu ouvia os Mamonas Assassinas. Era uma miúda, ouvia aquilo e fartava-me de rir. Fazia competições com o meu tio mais maluco a ver quem os conseguia acompanhar melhor naquelas lenga-lengas super rápidas e porcalhonas.

Hoje faz 20 anos que partiram, naquele dia fatídico em que a avioneta em que seguiam se despenhou na Serra da Cantareira depois de um concerto em Brasília. Todos os passageiros morreram. Apesar de ter sido há tantos anos, lembro-me das notícias em todo o lado e de uma legião de fãs ter acompanhado o funeral. Foi um choque imenso também para mim.

Ainda tenho o CD deles guardado, e são dos artistas que mais ouço no Spotify (eles haviam de ficar contentes com estas modernices). Foi uma carreira bem curta mas meteórica, com mais de 3 milhões de cópias vendidas só no Brasil. Eles foram únicos e inimitáveis, com tantas influências musicais (inclusivé portuguesas), e deixo em baixo a recordação inspirada no nosso vira.

São daqueles que vão viver para sempre. Mina... seus cabelo é da hora.

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Nunca fui muito fã dos Motörhead. Nunca foi das minhas bandas preferidas, embora ouvisse com gosto. Mesmo assim, sons como o "Ace of Spades" sempre me deram uma grande pica, como poucas canções icónicas o fazem.

E o Lemmy Kilmister era de facto um ícone incontornável. A sua vida foi dedicada ao metal, e a sua atitude perante a vida era a verdadeira evocação do rock n´roll. Hoje, já não se fazem lendas assim. As que sobram são da sua geração, e poucas das seguintes. Foi uma vida dedicada à música, influenciou centenas de bandas e tocou para milhões de pessoas. Um verdadeiro dinossauro.

É uma perda muito grande para o metal e para a música em geral. Ele era um gajo fixe, simplesmente. Sempre foi igual a si próprio, não seguia ninguem, nunca quis saber de merdas. Não era nem nunca foi apenas conhecido como o vocalista e baixista dos Motörhead. Todos conheciam o Lemmy por si só. O verrugas.

Descansa em paz, eterno ás de espadas, a personificação do verdadeiro e já raro badass.

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Não te conhecia bem, Mauro. Cheguei a conhecer, em tempos idos. Quando eramos adolescentes maltrapilhos e achávamos que tínhamos todo o tempo do mundo. E hoje morreste.

Éramos da mesma turma no 9º ano e lembro-me do teu ar de rufia. Faltava-te um dente da frente, eras magrinho, parecia que tinhas bichos carpinteiros, não paravas quieto um segundo. Sempre a disparatar, sempre a ser respondão para os professores, sempre a refilar com tudo e fazendo frente a toda a gente. Eu ria-me das piadas parvas, das palhaçadas que fazias, e deixava-te copiar nos testes. Depois, lá ias tu de bike para casa. Simpatizava contigo. Tinhas piada.

Depois, o tempo e a distância encarregarram-se de nos afastar. Não fazia ideia que o filho da puta do cancro te tinha atacado. Lamento muito. Lamento que te tenha calhado a ti, tão novo, quando eu me lembro de ti tão vivo. Apesar de não falarmos há tanto tempo, o choque chegou à mesma e hoje é um dia triste.

Adeus, rufia.


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Wes Craven criou uma das personagens mais icónicas de todo o cinema e foi responsável por toda uma loucura que começou nos anos 80, perdura e perdurará para sempre. Enquanto o cinema for cinema, enquanto o terror for terror, a figura e influência de Wes estarão lá.

A camisola às riscas, o chapéu, a cara desfigurada e a luva assassina estarão sempre ligados a Freddy Krueger, a personagem mais mítica de Wes. Ele fez muito mais, eu sei, mas não posso deixar de destacar a figura que mais me impressinou e que mais influenciou o terror mundial.

Wes não partiu. Apenas o seu corpo irá desaparecer. Já nem falo da obra que deixou. Provavelmente Wes estará no mundo dos sonhos a beber um café com o Freddy, a rirem-se dos sustos que nos pregaram e das noites de insónia que provocaram a muito boa gente. Naquele imaginário distorcido que nos fez confundir a realidade e o sonho. Ele está lá.


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Que dizer? Infelizmente não é com surpresa que recebi a notícia da morte do Cecil. Já nada me espanta, nada me choca. Enquanto existirem humanos, a estupidez vai imperar. Até não haver mais nada para abater, maltratar ou abandonar.

O Cecil era um leão com 13 anos, a estrela principal de uma reserva natural no Zimbabué. Era o líder da savana, tinha muitas crias, que agora vão ter de ser abatidas porque não vão ser aceites pelo leão que vier. Estava habituado à presença dos bons humanos que sempre o trataram bem, deixava-se fotografar e filmar. Nunca fez mal a ninguém.

Um filho da puta rico pagou a um filho da puta espanhol para o abater. Com a ajuda de dois guias filhos da puta, atraíram o leão para fora da reserva com uma presa morta e atingiram-no com arco e flechas, para serem discretos. Não morreu logo. Ficou dois dias a sofrer, a sangrar. Foi encontrado sem pele e sem cabeça, troféus para o cabrão nojento que teve esta ideia de merda.

Não consigo entender esta maldade. Não consigo atingir. Não compreendo. Não tenho fealdade suficiente dentro de mim para entender um bocadinho disto. Mas tenho a suficiente para desejar a todos estes filhos da puta que vejam as suas famílias morrer em sofrimento prolongado perante a sua impotência de os salvar.

Descansa em paz, Cecil.





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Não conheço ninguém que alguma vez tenha dito: "Não gosto do Robin Williams. É um péssimo ator e um péssimo humorista". Robin talvez seja uma das figuras mais consensuais no mundo do cinema e do entretenimento.

É com pena que vejo partir um ser humano que admirava e que me acompanhou desde a adolescência com filmes como Jumanji (que vi até à exaustão no alto dos meus 11 anos), Flubber ou Robin dos Bosques, e que me impressionou na idade adulta com o seu talento dramático em Câmara Indiscreta, O Bom Rebelde ou O Clube dos Poetas Mortos. Já para não falar das séries, do stand up comedy e os mais diversos trabalhos que fez.

Robin era um homem inteligente, com piada, talento, que não tinha manias de artista, era discreto, simpático e disponível. Ao que parece ofereceu-nos tanto, que deu mais do que devia e não deixou nada para ele. Não consigo imaginar o que ele sentia para tirar a própria vida, mas o negrume já devia ser insuportável para que alguém como Robin, que aos nossos olhos tinha a vida estampada nos dele, nos tenha deixado. Que esteja a provocar sorrisos, onde quer que esteja.

"I used to think the worst thing in life was to end up all alone. It's not. The worst thing in life is ending up with people who make you feel all alone." - Robin Williams



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Hoje a revolta está instalada. A capa do CM apresenta os destroços do avião da Malaysia Airlines abatido ontem, com alguns cadáveres à mistura.

Todo o povo acordou para a vida. Porque as crianças veem as capas dos jornais. Porque não há respeito pela vida humana e pelos familiares. Porque é chocante e um atentado à moral.

Em 28 anos de vida, nunca comprei esse jornal. Nem sou fã nas redes sociais, não me identifico com a conduta do mesmo e não me interesso pelos conteúdos. Neste caso, não encontro a razão para um ataque tão cerrado. O CM é sensacionalista e alimenta-se das desgraças, das imagens chocantes, dos casos bizarros e de gajas nuas. Não é raro existirem mamas, cus, casas de putas, as putas em si, acidentes de automóvel, famosos no hospital, pessoas que morrem de fome, pessoas feridas em manifestações, a miséria dos sem-abrigo, animais maltratados, crianças desaparecidas, bebés violados, esmagamentos nas arribas, arrastões na praia, violência nas claques e no futebol, abortos na casa de banho, violência doméstica, velhos que mandam facadas nas velhas, velhas que envenenam velhos, suicídios, comboios descarrilados, afogamentos no rio, atentados bombistas, e mais, muito mais, sempre, desde sempre, e não vai acabar.

Hoje mostraram três corpos (nem aparecem na íntegra...) no desastre de avião mais terrível e bizarro dos últimos anos. Eu, pelo menos, tinha uma curiosidade mórbida por ver alguns corpos, por isso obrigado Correio da Manhã. Se tiverem mais fotos disponíveis posso facultar-vos o meu email para partilharem.

Não entendo a repentina sensibilidade afectada do povo português, que para além de já estar farto de saber o que esperar desse jornal, esfrega as mãos de contente ao ver pornografia nas primeiras páginas, está farto de ver manchetes repletas de sangue, assassínios e mortes (as crianças também sabem ler!) e esta imagem em baixo é o fim do mundo, da moralidade e dos valores. Se calhar sou eu que não bato bem por ser uma fã acérrima de filmes de terror, e quanto mais tortura, tripas, sangue e gritos, melhor. Nesse caso, peço perdão, minhas flores!


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Por mais anos que viva nunca irei esquecer o que aconteceu no jogo V. Guimarães x Benfica no dia 25 de janeiro de 2014. Faz hoje 10 anos que Fehér morreu em pleno relvado. Os vídeos e as fotografias já foram vistos centenas de vezes e em cada uma delas sinto um peso no coração. Não é por ter sido um jogador de futebol e ser uma cara conhecida. É por ter morrido subitamente, em directo, aos 24 anos. É por ter sorrido e logo a seguir, ter sentido algo que o fez baixar e respirar fundo. É por ter caído inanimado, já peso morto, e o seu corpo ter batido no relvado violentamente. É pelos colegas, que acorreram prontamente para o ajudar e que viraram o seu corpo para não morder a língua, ainda ignorantes de que tinha sido fatal. É o tempo a correr e ele sem respirar, e os colegas, de ambas as equipas, já com as mãos na cabeça, ajoelhados, chorosos, rezando aos céus, abraçados. É por todo um estádio que foi de uma só cor ter batido palmas, incentivando-o a permanecer na Terra. É pelos esforços das equipas médicas, por terem corrido com um desfibrilhador na mão, embora fosse inútil. E é a raiva, o desespero, a surpresa negra que pairou e que deixou toda a gente envolta numa perplexidade de quem não acredita que isto aconteceu.

Ainda hoje parece mentira. Tinha 18 anos, vi o jogo com o meu pai. Nessa noite não dormi. Pediu um milagre que no fundo sabia impossível. É chocante, é triste, tão triste, mesmo tanto tempo depois.

Nunca te esqueceremos eterno 29.


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