Palavras do Abismo

O vídeo da campanha BPI de apoio à seleção de futebol feminina, que tem tido tantas reações positivas e emotivas, trouxe-me à memória lembranças antigas e um motivo de orgulho que não tenho vergonha de celebrar.

Corria o ano de 1998, ou 1999. Era uma adolescente que praticava bastante desporto e que sempre gostou de futebol. O meu grupo de amigas e colegas também gostava, e era frequente andarmos de patins, de bicicleta, jogarmos à bola, ao elástico, e por aí fora. E conversávamos sobre como seria bom que o clube de futebol da terra tivesse uma secção feminina. Impulsionadas pelo espírito empreendedor de uma de nós, decidimos ir à sede do clube e perguntar o que seria preciso para a criar. Lá fomos, cinco meninas representantes da ideia. Receberam-nos, curiosos, meio reticentes, colocando entraves - que não havia verbas para nada, nem equipamentos, nem transporte, nem motorista, nem alimentação, que já era difícil para os rapazes, que não havia balneários femininos, não podiam pagar a um treinador, existiam poucos campos e a conciliação de horários era difícil. Portanto, uma missão improvável.

Fomos embora, mas em vez de esmorecermos, curiosamente, começámos imediatamente a pensar em formas de ultrapassar esses entraves. E se fizéssemos rifas? Vendêssemos bolos? Puséssemos um mealheiro nas lojas para nos ajudar? Se falássemos com as pastelarias e cafés a ver se algum nos patrocinava? E se os pais ajudassem e pudessem conduzir as carrinhas do clube, e dividir o combustível com os outros pais?

Acabámos por voltar noutro dia. Levámos alguns dos pais. Viram que estávamos realmente empenhadas. E as coisas começaram a materializar-se. Uma antiga glória do clube, o grande Belchior, homem que admirarei até morrer, estava presente e ofereceu-se para ser nosso treinador, sem nada em troca. Mais tarde, trouxe outra glória, o Patã, como adjunto. Um dos contactos que fizemos (julgo que era uma gráfica, mas a memória falha-me) aceitou patrocinar-nos e pumba, já tínhamos equipamentos. O Belchior, que estava por dentro de tudo, começou a mexer-se no sentido de encontrar buracos nos horários onde pudéssemos treinar e usar os balneários dos rapazes. Usou também os seus contactos para saber de outras equipas femininas do Alentejo que se dispusessem a jogar contra nós e fazer torneios. Começámos a treinar e a palavra espalhou-se. Raparigas das vilas e aldeias ao redor telefonavam ao clube, queriam saber se havia transporte para poderem ir treinar a Sines. Alguns dos pais disponibilizaram-se para as transportar. O meu pai era um dos nossos maiores apoiantes (bem-hajas, pai), e fazia tudo o que fosse preciso. Assim como a minha avó materna, viciada em futebol, que se empolgava demasiado e que me envergonhava mandando caralhadas aos árbitros e às jogadoras adversárias. Nos jogos, éramos recebidas com muita simpatia por todos os clubes, e em todos os jogos havia convívio depois, com muita comida feita pelas famílias das jogadoras, e nós retribuíamos nos jogos em casa. 

Foi uma época muito especial para mim. Senti-me parte de algo, senti-me realizada por fazer algo que amava, e muito orgulhosa por termos conseguido levar para a frente a nossa teimosia. 

Chegou a altura de rumar para a Universidade, e como muitas de nós tínhamos a mesma idade, tememos pelo futuro da equipa. A verdade é que, depois de partirmos, a equipa quebrou e houve um período de intermitências. No entanto, a equipa feminina do clube continua a existir e, das notícias que me chegam, está bem e recomenda-se. Quase 25 anos depois dos primeiros passos, o sonho de algumas meninas abriu portas para que as meninas de hoje possam ter um local e condições para praticarem futebol. Isso enche-me de orgulho e aquece-me o coração.

Apesar das adversidades e de algumas bocas que nos despejavam em cima, a maioria dos familiares e amigos das jogadoras sempre nos apoiaram, e não podem imaginar como estávamos e estamos ainda agradecidas por isso. No entanto, hoje, em 2023, ouço coisas como que não percebo nada de futebol, que devia era estar na cozinha. Que se foda a masculinidade tóxica, que se fodam todos os que se apegam a papéis tradicionais de género, que se fodam os machistas! Todos podemos ser aquilo que quisermos. Como eu, que, com 1,63m, fui guarda-redes. E competente. Quem diria?

Levo para as cinzas um apreço desmedido pelos misters Belchior e Patã, exemplos de paciência, entrega e aceitação. Pelo mister Dino, guarda-redes dos juniores e séniores, que se ofereceu para ser meu treinador de guarda-redes e me obrigava a fazer 500 abdominais e a correr na praia de areia grossa com ela pelos joelhos. Pelo Limão, que já lá mora, sempre disponível para atender às nossas lesões. Pelo clube inteiro, meu Vasco da Gama. Pelas famílias das jogadoras, que nem por um segundo ficaram de pé atrás por sermos mulheres a jogar futebol. E por cada uma das minhas colegas de equipa, com quem passei alguns dos momentos mais fantásticos de sempre.

Que nenhum sonho ou vontade se castre por causa do género com que se nasce.

E aqui estamos nós, para a posteridade.







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Foi há cerca de um ano que tomei a decisão. O meu fundo já o sabia, mas adiava. Tinha medos, receios, "e ses" infinitos, pés atrás. As noites sem dormir, de barulhos, buzinas, vozes embriagadas, ambulâncias pela noite dentro, derrapagens, rateres sem respeito às horas, à minha janela, foram o desgaste que precisava para dar o passo. O meu coração palpitava de assombros noturnos a todo o instante, e para além do mais, já não podia com os transportes lisboetas, as avarias, as greves, os atrasos, os suprimidos, as obras, o trânsito violento, a falta de calma, de educação, as sardinhas em lata, respirar sovacos alheios, peidos alheios, aguentar, aguentar, aguentar, para apenas repetir no dia seguinte. Vivia em sobressalto constante e sentia-me sempre esgotada. E, ainda, Lisboa não era a mesma que conheci quando, aos 18, vim do Alentejo para estudar e me deparei com ela. Em quase duas décadas, a cidade mudou de rosto e de sorriso. Deixou de ser uma terra nossa que queríamos mostrar aos outros com orgulho, para uma terra dos outros, os que podem pagar, com ou sem orgulho, um pedaço dela. E a cidade adaptou-se a eles, ao dinheiro, não a nós.

Então, após 19 anos a morar em Lisboa (e arredores), decidi ir embora e regressar ao Alentejo que me viu nascer e crescer. Fui embora, agradecida pelos ensinamentos da cidade, pelas vivências que me proporcionou, pelos meus amigos, pelas centenas de concertos, festivais, exposições, peças, e tudo o mais que me deu a conhecer e que me tornou a pessoa que sou. Do mesmo modo, se sou mais aberta, recetiva, com sentido de comunidade e empatia, é pela diversidade étnica, cultural e humana que Lisboa me proporcionou. Capital, continuo a gostar de ti, mas como em qualquer relação, gostar não basta.

A modos que me deu na veneta e disse: é agora. Não foi. Demorou muito, muito tempo. Os tempos estão maus, as casas estão caríssimas. Os créditos estão difíceis de obter, as taxas de juro estão pela hora da morte. No trabalho, lutava para que me deixassem ficar a trabalhar remotamente. Os serviços públicos falhavam, faltava sempre qualquer coisa, um papel, uma rúbrica, um comprovativo, uma bufa. Tinha de vender a casa na margem sul. Cismei que havia de tratar de tudo sem recorrer a agências, por dinheiro, ou falta dele, e consegui. Levei tempo, mas os astros acabaram por se alinhar.

Já cá estou há uns meses. Parece, agora, que nunca saí daqui, do litoral alentejano. A cacofonia da cidade, as noites sem dormir, as palpitações no coração e o stress parecem fazer parte de uma outra vida. Temia. As saudades dos amigos, o estar distante da ação, o ter tudo perto, ter tanto a acontecer. Não havia razões para tal, porque o isolamento e o silêncio estão a fazer milagres por mim, e os amigos, esses, ficam contentes por ter casa no Alentejo onde podem vir sempre que quiserem. Passei de ouvir os carros 24 horas por dia, junto ao trecho de estrada nacional que levava a Almada onde morava, para acordar com os pássaros e festejar com eles o fim do dia. Em vez de bêbados a vomitar e mijar nas paredes do prédio, recebo a visita de patos que já sabem onde comer a fatia de pão diária. Em vez de ter prédios como vista, agora consigo ver o nascer e o pôr-do-sol, a largura do céu em todo o seu esplendor naqueles tons de azul a jogar com o rosa. Em vez de atravessar a estrada e ter um hipermercado, tenho um jardim enorme de árvores frondosas com lagos e muitas espécies animais. No silêncio da noite, não me assusto com rateres, ouve-se antes as ondas do mar a rebentar lá longe. Em vez de lixo por todo o lado e cheiro nauseabundo nas ruas, agora podia comer do chão e cheira a flores e pinheiros. Não há filas ou multidões, não há trânsito, não há sequer um semáforo. E a comida? Nem se fala.

Tudo tem um tempo. No auge da minha idade adulta recém adquirida, era normal querer sair, descobrir, viver numa cidade grande, experimentar o que tinha de experimentar. E fi-lo. Com o passar do tempo, vamos dando importância a coisas diferentes. É normal. Atenção, que isto não é para todos. Há pessoas que nunca se iriam adaptar. Mas era o que alma e coração pediam, e não podia ignorar mais tempo. Cá, o tempo passa mais devagar e obriga-nos a estar connosco próprios. Se não se estiver à vontade com isso, não se será feliz aqui. Eu estou feliz. 

E, pasme-se, voltei a ter vontade de escrever. Até breve, provavelmente. 



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Tenho um dedo do pé inchado ao redor da unha e perguntei à minha mãe, profunda conhecedora de mezinhas, o que podia fazer. A dica foi colocar o pé, ou até mesmo os dois, num alguidar com água quente e rodelas de limão.*

Lá o fiz, e quando falámos ao telefone perguntou como tinha corrido, e se tinha colocado apenas um pé ou os dois. "Só um", disse. "O meu alguidar só dá para um pé, e mesmo assim é apertado". Pronto. O que eu fui dizer. O drama, o horror. 

"Ai, nã posso... Uma filha minha que nem tem um alguidar em condições. Eu dou-te um alguidar, mas quem é que nã tem alguidares grandes em casa? Como é que levas a roupa da máquina para estender?"
"Em lado nenhum, a máquina está ao lado do estendal, é só tirar da máquina e estender!"
"Aiii nã acredito no que tou ouvindo..."
"Mas qual é o problema? É só virar-me para o lado, não preciso de transportar a roupa."
"Mê Deus, pró qu'eu havia de tar guardada! E para demolhar coisas?"
"Eu não preciso de demolhar nada!"
"Nã és filha de tua mãe! Ca vergonha... E se falta a água, nã aqueces dentro dum alguidar para tomar banho?"
"Aqui nunca faltou a água! E se faltar tomo banho no ginásio."
"Nã tens um alguidar, nã és alentejana, nã és nada."

E assim se é deserdada das raízes. Eu já chorava de rir, ao pensar, enquanto decorria a maior indignação que já vi a minha mãe ter, que não reagiria tão mal se lhe dissesse que dava no cavalo. Foi a grande desilusão, pior do que quando comecei a tatuar-me, pior do que quando percebeu que não ia ser avó, e pior ainda do que quando lhe disse que nunca mais ia comer carne. Se não querem ter problemas com mães e sogras, fica a dica - tenham sempre um alguidar impressionante em casa.


* coloquei aqui um asterisco porque o meu pai rematou a sugestão da minha mãe com um "e depois bebes". O que faz também dele uma pessoa estranha.


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Neste sonho mágico pisei um carregador de telemóvel que me feriu e fez sangue, e o contacto do carregador com a ferida fez com que eu passasse a funcionar a energia eléctrica. Não sei como o soube, mas soube-o imediatamente. "Oh fuck", pensei, à medida que a minha bateria se ia esgotando.

Bem, estando em casa não havia grande problema. Ligava o carregador do telemóvel ou do portátil à zona da ferida e, magia, os meus níveis energéticos subiam, dando-me aquele bem-estar de um autêntico viciado em droga. 

O pior eram as actividades fora de casa. Ir passear implicava planeamento - tinha obrigatoriamente de passar por locais que me permitissem carregar a bateria. Ou seja, passeios na natureza só muito curtos, ginásio nem vê-lo, viagens longas, adeus. E mesmo nos locais com fichas, tinha de me postar lá, feita poste, enquanto carregava. Imaginem estarem a ver uma exposição, e estar lá eu, encostada a uma parede, a olhar o infinito, com um carregador enfiado no pé descalço. Uma autêntica instalação moderna.

O meu maior medo era que, estando em casa, faltasse a energia. Ficaria estática, não morta, mas sem me conseguir mexer, até que alguém no mundo reparasse que a minha pessoa não dava sinais de vida. Provavelmente seria comida pelos gatos quando a ração escasseasse na tigela.

Sendo assim, o meu maior desejo era ser independente e passei a pedir powerbanks às pessoas pelo meu aniversário e no Natal. Só queria powerbanks, o mais potentes possível. Acordei, mas fiquei com uma imagem na cabeça do meu quarto atolhado de powerbanks até ao tecto e de ter desmaiado ao ver a conta da luz.




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 "A confluência de datas podia ser uma coincidência, mas pode ela dizer isso de tudo que a levou àquela casa em Portland, no Maine? Não. Há uma concatenação de factos que recua até outro monstro chamado Brady Hartsfield."

in Se Tem Sangue, de Stephen King (2020)

con·ca·te·na·ção

nome feminino
1. Ligamento; encadeação; nexo.
2. [Retórica] Clímax.

con·ca·te·nar 
1. Estabelecer(-se) relação ou sequência lógica entre ideias ou argumentos. = ENCADEAR, JUNTAR, LIGAR
2. Colocar(-se) em harmonia; estar ou ficar de acordo. = CONCERTAR, CONCILIAR, HARMONIZAR ≠ DESARMONIZAR

in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Imaginemos o seguinte: uma pessoa apanha o marido/esposa a mentir sobre onde esteve. Um colarinho de uma camisa aparece com borras de batom ou a cheirar a uma água de colónia desconhecida. As ausências do/a parceiro/a tornam-se mais longas e justificadas com desculpas esfarrapadas. Ele ou ela anda calado/a, com a cabeça no ar, toma pouca atenção ao que se passa em casa. Contudo, passa muito tempo agarrado/a ao telemóvel e até sorri de vez em quando feito/a estúpido/a. O/a cônjuge nota um certo distanciamento, uma falta de prazer nos momentos partilhados, um tédio crescente na companhia do outro. Ora, tudo isto é uma concatenação de factos, evidências, acontecimentos, que todos sabemos onde vai dar - o/a pessoa desvairada está muito provavelmente a oferecer um par de cornos grátis e pesadões à pobre criatura desconfiada. Tudo se liga, tudo se conecta.
E acho que está explicado.





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Nem todos os meus sonhos são parvoíces estapafúrdias, há assuntos bem sérios a decorrer neste cérebro durante a noite!

O irmão dum amigo descobriu que tinha cancro, e toda a família decidiu ir fazer um rastreio. Vai na volta e a mãe do meu amigo, e ele próprio, também tinham. Criativo como é, e "bola prá frente", decidiu contar-nos através de uma banda desenhada feita pelo próprio, que recebemos pelo correio. Pese embora a obra de arte, fiquei triste, claro. 

Mais tarde, vejo o meu pai a folhear o pequeno livro e a choramingar. Questionando-o, descubro que ele pensava que eu era a visada do cancro. Meio que o descansei em relação à minha pessoa, "Pai, não é sobre mim, é sobre o D. Ele tem cancro. Uma merda." E não é que o homem desata num prato incontrolável? "Coitado do D., tão novo...", já a oferecer-lhe sentença de morte. E eu a pensar que a reação foi muito mais dramática do que quando ele pensava que era comigo...



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"Dormíamos naquilo que em tempos fora o ginásio. (...) Tinha havido ali danças; a música perdurava, um palimpsesto de sons inaudíveis, estilo sobre estilo, uma subcorrente de percussão, um lamento desolado, grinaldas feitas de flores de papel, diabos de cartão, uma bola espelhada a girar, empoando os bailarinos com uma neve de luz"

in A História de Uma Serva, de Margaret Atwood (1998)

pa·limp·ses·to
(latim palimpsestus, -i, do grego palimpsêstos, -on, raspado para escrever de novo)
nome masculino
1. Manuscrito em pergaminho que os copistas na Idade Média apagavam, para nele escrever de novo. [O recurso a técnicas de restauração de documentos permite, por vezes, fazer reaparecer caracteres primitivos.]
2. Obra cujo conteúdo revela traços, por transformação ou por imitação, de outra obra anterior.

in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Esta é um bocadinho rebuscada. No sentido do texto transcrito, palimpsesto poderá ser uma memória sonora e visual de outros tempos. A visão daquele ginásio trouxe à memória da narradora os sons e as coisas que ali prevaleciam outrora. Para quem está familiarizado com o livro ou a série A História de Uma Serva (The Handmaid's Tale) isto faz todo o sentido, já que aquelas mulheres sobrevivem num mundo que até há bem pouco tempo havia sido normal, e que agora serve um propósito completamente diferente. No entanto, os locais, os edifícios, as ruas, as casas, permanecem lá, como monumentos ao mundo antigo, e contendo em si a música, os risos, as conversas, que se faziam ouvir. No entanto, isto já aconteceu decerto a qualquer um de nós - é normal passarmos por uma padaria fechada e sentirmos o cheiro do pão acabado de fazer que já sentimos antes; ou passar por uma escola silenciosa, à noite, e o som das crianças no recreio nos parecer vivo na mente.




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Anthony Hopkins é Anthony, um octogenário que está aos poucos a perder a noção da realidade. A demência é o prato forte do filme, apoiado por interpretações fabulosas não só do protagonista, vencedor do Óscar de Melhor Ator, como também de Olivia Colman, no papel da sua filha, Anne.

Vivemos o dia-a-dia de Anthony, experienciando os detalhes cada vez mais confusos que se passam dentro da sua cabeça. O próprio espectador não sabe o que é real, o que é uma mistura de vivências, ou o que é completamente inventado. Este pormenor é de uma delicadeza bruta, já que nos permite experienciar o que é ver o mundo através dos olhos de alguém senil - no fundo, colocarmo-nos no lugar do outro.

Começamos por ver um Anthony capaz de usar o humor e o charme para fugir à dura realidade, e até para desviar as atenções do assunto, mas depressa se torna devastador e de partir o coração. O facto de assistirmos a tudo na sua perspectiva torna tudo mais palpável e desperta-nos a empatia que podia faltar para compreender o que é o desmoronar de todas as nossas memórias, sentindo como nossas as suas dores.

Tudo isto suportado por um argumento maravilhoso, também vencedor de um Óscar. E que merecido. Aconselho este filme a todos - é uma viagem triste, sim, mas necessária, um autêntico abrir de olhos perante aquilo que nunca iremos verdadeiramente compreender.

Por fim, sinto uma necessidade extrema de agradecer ao Anthony Hopkins, por tudo o que ele foi e por tudo o que ainda é para o cinema mundial. Uma inspiração e um talento inesgostáveis, e este filme é, para mim, o ponto alto de uma carreira brilhante e um dos seus papéis mais humanos e inspiradores.


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Uma coisa que me irrita solenemente são as pessoas que, quando existe algum tipo de crise, vão para as redes sociais armar-se em guerrilheiros da dúvida, perguntando onde andam os defensores de alguma coisa. Passo a dar exemplos.

Temos assistido a fenómenos climáticos extremos um pouco por todo o globo - há fumo no Pólo Norte, neva no Brasil, a Europa atinge temperaturas recorde, ao mesmo tempo que é devastada por cheias, vários países ardem, pessoas e animais morrem, casas são destruídas, enfim, tá tudo na merda. E os guerrilheiros da dúvida perguntam - "Onde anda a Greta? Eheh caladinha que nem um rato, essa inútil." E o que querem que a Greta faça, que vá soprar as nuvens para outro lado ou que desligue o termómetro do globo? Que vos enfie um tofu na boca em vez do bifinho de vaca? A Greta faz mais num dia do alto dos seus 18 anos do que vocês e o vosso rabo colado ao sofá a vida toda. Olhem para o vosso umbigo, para os vossos erros diários, exijam mudança ao governo e às empresas, e entretenham-se com a vossa própria greta!

Quando é verificado algum caso mediático relacionado com animais, como recentemente os cães que morreram num hotel canino em Mafra, ou os pobres animais que ontem foram queimados vivos no incêndio que atingiu um abrigo ilegal em Castro Marim, a pergunta é: "Onde anda o PAN? Onde anda o IRA? Se estivessem lá câmaras de televisão estavam presentes, assim ninguém os vê!" Mas vocês acham o quê? Que há um elemento do IRA debaixo de cada pedra deste país? Que eles não são cidadãos comuns como nós, que não têm os seus trabalhos, as suas vidas, que recebem alguma coisa por fazerem o que fazem? Acham que têm algum título oficial de salvadores de animais, que são subsidiados por alguma Câmara? Da mesma forma, acham que os elementos do PAN têm algum canil montado em casa? Acham que têm conhecimento de todos os abrigos ilegais deste país? Acham que quatro deputados eleitos fazem milagres? Ó guerrilheiros da dúvida, se querem que a causa animal tenha voz, usem a vossa própria voz por aqueles que não têm. Têm mãozinhas, nem que seja para pegar no telefone e ligar para o SEPNA. Denunciem. Alberguem. Têm liberdade de voto, usem-no. E se têm tempo para fazer perguntas estúpidas, façam voluntariado.

Se alguém vacinado morre de Covid... "Onde anda a Graça Freitas? Onde andam os covideiros? O rebanho acredita em tudo o que lhes dizem e depois é isto...". Ai, santa paciência para esta gente. Olhem amigos, a dona Graça, que tem idade para ser vossa mãe ou avó, tem uma paciência de santa para aturar gente burra que busca conhecimento em vídeos do Youtube e em grupos nas redes sociais duvidosos com "Pela Verdade" ou "Por Portugal" escrito lá no meio. Gente, universidade da vida não dá diploma. Se não confiam no governo, nem no SNS, nem na ciência, nem nos vossos médicos de família, nem nos dados COMPROVADOS que a vacina é eficaz, aqui e em qualquer lugar do mundo, o problema são vocês. É culpa dessa mente pequenina que foi exposta, contaminada, por um bicho muito mais feio que o Covid, que é o da ignorância, da soberba e a da superioridade. Não se enganem, fazem parte também de um rebanho - o das ovelhas negras, que se estão a cagar para o próximo e só pensam no seu próprio conforto, na sua própria liberdade, quando esta afecta directamente a liberdade dos outros. Ninguém vos obriga a levar a vacina, é opção de cada um - o triste é o estardalhaço que fazem com isso porque nem acreditam, não pode ser, não é razoável, que a maioria da população "vá nestas tretas". Queridos, não querem levar não levem, escusam de andar a fazer figuras ridículas e a espalhar a maior doença de todas - a desinformação (apesar de vocês não o verem, porque não há seres mais iluminados e inteligentes que vós). Mééé!
Ah, e repito o que vocês já deviam saber desde o início: A VACINA NÃO IMPEDE QUE SE TENHA COVID. A VACINA NÃO IMPEDE QUE SE MORRA DE COVID. "Mas então... para quê tomar?" PORQUE REDUZ!! REDUZ A HIPÓTESE DE DOENÇA GRAVE, DE TRANSMISSÃO, DE INTERNAMENTO... Vai-nos permitir atingir mais rapidamente aquilo que vocês querem - a liberdade! Got it? Portanto o empecilho à liberdade, adivinhem quem é?

E claro, como não podia deixar de ser. No decorrer do que se passa no Afeganistão, já vi quem perguntasse: "Onde andam as feministas? Onde andam as dos lábios vermelhos? Todas caladinhas, estão de férias?" Estou a abanar a cabeça desde que li isto. É de uma tristeza avassaladora, mais do que tudo. Portanto, estamos a falar de um regime em que as mulheres não podem sequer sair à rua sozinhas, nem pintar as unhas, nem rir alto, e esperam então que vá lá a Marisa Matias, de lábios pintados, mais a Ana Gomes, a Mortágua, e todo um exército de gajas armadas com batons para torcer a orelha aos talibãs, dar-lhes tau-tau e ensiná-los a respeitar as mulheres de hoje para amanhã? Acham que cada mulher, e cada ser humano com coração, não está corroído por dentro pelo que poderá acontecer àquelas mulheres? Acham que as associações feministas não estão num desespero total perante a impotência de não poder fazer mais, imediatamente? É engraçado, de repente existe um monte de especialistas em política internacional e em direitos humanos formados no sofá. Mais uma vez, pressionem os governos, procurem saber o que essas associações estão a fazer, sobre o que a NATO está a fazer, mostrem o vosso descontentamento, não com quem dedica uma vida a lutar, e a arrisca, mas para com a situação pavorosa que está a acontecer.

Esta pressão estúpida que estão a colocar nos outros, estas perguntas sem sentido que fazem no conforto dos vossos lares, façam-nas a vocês próprios, e perguntem-se onde andam vocês. Mudar o mundo é responsabilidade de cada um de nós, apontar dedos e passar responsabilidades é do mais fácil que há. Difícil é mexer o cu e ter um sentimento verdadeiro, real, de querer mudar este mundo que se tornou tão podre. Querer ter a razão, provocar discórdia, alimentar discussões inócuas, é uma total perda de tempo, e tempo é coisa que nem estas mulheres, nem os animais, nem o planeta, têm. Quem está numa posição difícil não tem tempo para esta merda. Isto tudo para dizer que, se não querem ajudar, não atrapalhem. Essas perguntas podem guardá-las para o vosso deus.



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A minha boca sempre em obras já conheceu muitos dentistas, e uma coisa que todos têm em comum, uns mais outros menos, é falarem comigo, esperando resposta, quando tenho a boca escancarada e vários utensílios a sair lá de dentro.

É claro que existem os sempre habituais: "está a doer?", ou "está tudo bem?", que levam com um "IM" ou "ÃO", acompanhados de pequeníssimos acenos de cabeça e a coisa vai-se percebendo. Mas a minha actual dentista vai muito para além disso e, talvez por estar bem disposta devido às recentes férias, fez esta "conversa" acontecer:

- Então, já foi de férias?
- ÃO
- Quando vai?
- EMRO
- Ahhh, tão tarde! É porque quer ou porque não consegue mais cedo?
- ERO
- Eu estive no Gerês... é lindo! Já foi?
- ÃO
- Ah mas tem de ir! Gosta da natureza?
- IM
- Então não pode perder. É magnífico. Para onde vai?
- ALEEO
- Ahh está a dar a repetição do salto do Pichardo. Chegou a ver?
- IM
- Espectacular, não é?
- IM<
- Quando era mais nova corria muito... Faz desporto?
- IM
- Pois, é por isso que o chocolate que come não lhe fica na chicha, mas estes dentes...
- OIX

Caros dentistas... Por muito boas pessoas que sejam, não é confortável estar deitado com a boca aberta, com uma cena que chupa a saliva a fazer barulho junto ao ouvido, com brocas e cenas, algodões cheios de baba, e ainda ter de falar. Não é dignificante, não é útil, não nos une. Gosto muito de vocês, tanto que vos vejo pelo menos 20 vezes por ano, fornecendo-vos os fundos que iriam para a minha reforma e para a casa com piscina, mas ÃO DÁ AIS!

Imagem:  Frases de M3rda



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